Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 03 de dezembro de 2007

Em Paris

O cineasta Christophe Honoré é bem recebido nos cinemas comerciais nacionais com “Em Paris”, uma leitura de como as pessoas buscam e reagem ao amor e aos sentimentos que o rondam, desde a procura pelo sexo à tristeza do fim de um relacionamento.

A história é contada por Jonathan (Louis Garrel), logo após que acorda no dia seguinte em que a trama é realmente desenvolvida. Jonathan quebra o gelo com o público logo nos primeiros minutos, fazendo uma introdução do que será visto em seguida. Os 99 minutos da película se passam em um dia dos irmãos Jonathan e Paul (Romain Duris), dois jovens que encaram a vida de formas diferentes. Jonathan é o típico conquistador, que adora sexo e faz de tudo para conseguir, sem demonstrar interesse amoroso em suas conquistas. Enquanto isso, Paul está sofrendo a depressão que ganhou após o fim do relacionamento com Anna (Joana Preiss). Paul volta para casa e se depara com a libertinagem do irmão e com o protecionismo do pai (Guy Marchand), que tenta a qualquer modo tirar a tristeza do filho.

Roteirizado e dirigido por Honoré, o longa consegue fazer inúmeras abordagens na vida de seus protagonistas no decorrer de um só dia. Honoré ressalta as qualidades e defeitos de cada um, sem em momento algum incriminá-los ou exaltá-los por isso. O cineasta faz com que o público se identifique nas passagens mais simples, criando uma linguagem palpável que foge, na maioria das vezes, do melodrama chato. Honoré cria personagens interessantes e que se contrapõem, mas se complementam por estarem sempre procurando o controle de suas emoções, mesmo que não consigam. Além disso, reforça os ideais familiares e o amor próprio, e faz com que o destino deles seja questionado.

Cada personagem merece destaque na trama. Logo após a introdução de Jonathan, vemos a relação de Paul com sua amada Anna. Os fatos podem até soar estranhos na forma em que se sobrepõem, mas acabam revelando-se necessários para criar a confusão e debilidade sentida por Paul no ato seguinte, quando se encontra prostrado em uma cama com depressão. O detalhe do relógio em cima da cama mostra o decorrer do dia monótono de Paul com o decorrer das horas. Romain Duris constrói um Paul cheio de incertezas e em um momento introspectivo, que se enclausura na busca de respostas dentro de si. Paul não quer conversar sobre sua tristeza, com receio de que seus pais ou seu irmão encarem como familiares que precisam ceder afeto. É tanto que a única pessoa com que Paul acaba dialogando sobre seus problemas, mesmo que à base da discrição, é a desconhecida Alice (Alice Butaud), já no ato final da película. Isso reforça a idéia de que, muitas vezes, é mais fácil conversar com alguém de fora do que com pessoas cujo sentimentalismo possa interferir no produto final.

Jonathan é o oposto de Paul e, ao mesmo tempo, um pseudo-exemplo do que Paul poderia (ou deveria) estar fazendo caso tivesse se recuperado da dor de amor. O dia de Jonathan retratado no longa mostra uma caminhada até uma rua de vitrines de Paris que, a princípio, levaria apenas meia hora para chegar ao local, mas demora mais de sete horas. Os motivos foram as aventuras que o garoto acaba vivendo ao encontrar três garotas e sair com elas. Meio a isso, Jonathan continua indo ao objetivo final da jornada, sempre ligando para o irmão e tentando animá-lo a sair da cama e ir encontrá-lo para terem uma tarde agradável. Jonathan parece o menos acessível em cena por seguir um estereótipo, porém se revela uma peça fundamental não só de início do enredo, mas também para o desfecho. A conversa com Paul e a leitura de um conto sobre lobos e coelhos são momentos únicos.

Quando o assunto é família, Honoré traz o personagem mais carismático, vivido por Guy Marchand. O pai dos meninos é o responsável por tentar pôr ordem na vida deles, sempre com aquelas asas protetoras de pai. Marchand faz de Mirko o personagem mais acessível e que compartilha os momentos mais emocionantes. Um deles é quando Mirko vê Paul na varanda do apartamento, com a ponta dos pés e teme que ele tente suicídio. Mirko vai até o filho, o agarra pela cintura e chama para montar a árvore de Natal. Marie-France Pisier interpreta a mãe dos jovens, que deixou a família para viver com um homem melhor. Ela volta ao cotidiano dos filhos para tentar tirar Paul da fossa, e tem momentos agradáveis com ele. Esse paradoxo atinge Mirko, que já estava tentando melhorar o humor do filho e não conseguia. Isso pode até soar estranho, mesmo se tratando da acessibilidade de uma figura materna, mas Paul em momento algum transparece que a mãe importa mais do que a presença do pai. Como ele mesmo diz, quem é ela para falar de mulheres que abandonam homens? Tanto Marchand quanto Pisier trazem aquela sensação forte e calejada de uma família que, mesmo com problemas, se ama acima de tudo.

Honoré também constrói outros momentos inesquecíveis, como a canção pelo telefone entre Paul e Anna, entretanto tem um saldo negativo de melodrama. Neste momento, onde o cineasta tinha tudo para emocionar completamente o espectador, o filme torna-se um pouco incompreendido por não ter dado espaço suficiente para o público torcer para Paul voltar aos braços de Anna. É possível torcer para que ele supere a situação deprimente que vive, já que Anna é esquecida durante praticamente quase todo o desenrolar da história. Falha semelhante também acontece com Jonathan, que em determinado momento tenta assemelhar suas ações às de Paul, mas não consegue por ter construído a imagem do garotão infalível. Além disso, as aparições do Jonathan narrador (o mesmo que introduz a história) no meio do filme não dá um toque favorável à trama.

“Em Paris” mostra de forma leve vidas que são envolvidas pelo amor, ou pela falta dele. Mostra como as pessoas reagem às conquistas diárias, às perdas e às pessoas ao redor. O filme aborda desejos e sentimentos que são postos na telona de forma mais crível do que muitas histórias belas e literalmente inventadas pelas ruas de Paris, ou de qualquer outro lugar. Mesmo dando a sensação de que o longa poderia ter um saldo bem melhor, é uma opção que gera questionamentos internos em cada espectador, como “O que você quer da sua vida agora? Viver do passado, aproveitar o presente ou procurar um futuro?”.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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