Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 03 de dezembro de 2007

Donos da Noite, Os

Embora funcione como um eficiente policial, a primeira metade de "Os Donos da Noite" mostra que a fita possuía potencial para ser bem mais que um longa de perseguição à bandidos, sendo deveras decepcionante neste sentido.

É difícil falar de "Os Donos da Noite" sem um pouco de decepção. Não que a fita seja fraca, longe disso. O motivo é que, em vários momentos, sentimos que o filme poderia ter sido bem mais que um eficiente longa policial. Em seus momentos mais marcantes, o longa mostra até onde um homem pode ir por sua família, com o protagonista da produção, vivido muito bem por Joaquin Phoenix, arriscando uma vida aparentemente feliz em nome de seu pai e irmão.

No entanto, aparentemente não crendo na força que a peculiar família poderia ter perante o público, o diretor e roteirista James Gray inverte os valores da película, investindo demais na ação, deixando em segundo plano por muitas vezes a ótima relação entre os personagens.

O longa inicia com uma montagem de policiais nova-iorquinos dos anos 1980, que introduz de maneira bastante interessante o título original da película ("We Own The Night", que era o slogan da força policial de Nova York durante a caótica década oitentista). Somos logo apresentados a Bobby (Joaquin Phoenix), gerente de uma das boates mais quentes da cidade, que vive feliz com seu estilo de vida desregrado junto a sua namorada, Amada (Eva Mendes).

O que os companheiros de trabalho e empregadores de Bobby não sabem é que a família deste tem raízes profundas na Polícia de Nova York. Seu pai, Burt Grusinsky (Robert Duvall), é o comandante da corporação na cidade, enquanto seu irmão, Joseph (Mark Wahlberg), assumiu a liderança de uma nova força-tarefa voltada ao combate ao tráfico de drogas. Tendo relegado a relação com seu progenitor e com seu irmão, inclusive abandonando o sobrenome de seu pai, os dois mundos de Bobby colidem, já que seu clube é utilizado por um grande e perigoso traficante como base de negociação.

A partir daí, acompanhamos a desconstrução do estilo de vida de Bobby, que se vê cada vez mais envolvido na guerra entre os traficantes e a Polícia, com conseqüências trágicas para todos os envolvidos. Contada através do ponto-de-vista do personagem de Phoenix, acompanhamos sua relutância em se envolver nesta situação. Em uma de suas primeiras falas, ele diz à Amada o quanto é feliz em sua vida. No entanto, estaria ele disposto a arriscar essa felicidade em nome de sua família? Esta é a grande questão que o filme propõe, embora esqueça dela por boa parte de seu péssimo terceiro ato.

O elenco apresenta atuações heterogêneas, com nem todos os atores em sua melhor performace. Joaquin Phoenix, a princípio, se mostra um tanto antipático, até por conta da atitude de seu personagem. À medida que compreendemos melhor o que se passa na cabeça de Bobby e entendemos suas motivações, o personagem vai conquistando o público, graças a um sólido trabalho de Phoenix. Aliás, a boa performace do ator, que exprime de maneira surpreendente os conflitos e os reflexos dos eventos que se seguem na vida do protagonista, consegue, na medida do possível, salvar o último terço da fita.

Mark Wahlberg sofre com o pouco tempo de tela de seu personagem, não conseguindo desenvolvê-lo adequadamente. Após ser introduzido como o "certinho", Joseph só volta a ganhar destaque novamente no meio do segundo ato do filme, com uma mudança de atitude que, embora compreensível, fora colocada de maneira inadequada na história, prejudicando a empatia que o público possa a ter por ele. No entanto, graças a um ótimo diálogo entre Bobby e Joe numa sala da delegacia, com uma franca atuação de Wahlberg, compreendemos melhor o personagem e suas motivações, embora apenas essa cena se mostre insuficiente para fazer com que o público realmente se importe com Joe.

A performace de Eva Mendes é bem definida por um dos personagens do longa, que afirma que "ela está fazendo o trabalho dela, seduzindo os clientes". Neste sentido, a atriz se sai maravilhosamente bem, já que sua presença é um verdadeiro colírio para os olhos, mesmo nos momentos mais descuidados de Amada. No entanto, nos diálogos mais dramáticos de sua personagem com o de Phoenix, é este último que concede toda a carga emocional de tais momentos.

Robert Duvall, sempre carismático, confere uma ótima e forte presença ao patriarca dos Grusinsky. O ator veterano consegue demonstrar, de diferentes formas, o amor que sente por seus dois filhos, bem como o orgulho que sente por cada um deles, em momentos diferentes. Já Vadim, o chefão russo do tráfico vivido por Alex Veadov, não escapa do estereótipo do mafioso perverso do leste europeu, servindo apenas como elemento de ameaça, nunca aparecendo como um personagem por si, apenas como elemento da narrativa.

Como diretor, James Gray não decepciona. Sabendo impor desde o início um clima de tensão na película, o senso de urgência, de que algo irá dar incrivelmente errado, permeia a produção desde seu primeiro frame. Outro destaque vai para a degradação no visual de Bobby e Amada durante o exílio forçado dos personagens. Anteriormente vistos bem-produzidos e arrumados, vemos que a situação lhes alterou não só psicológica, mas também fisicamente.

Além disso, Gray consegue criar ótimas seqüências de ação, como a invasão ao covil de Vadim e, principalmente, a perseguição automobilística envolvendo três veículos. Nesta cena em especial, Gray insere em algumas tomadas rápidas em plano subjetivo, fazendo com que nos sintamos na pele de Bobby numa situação desesperadora. Essa alternativa acaba reforçando o drama do personagem e aumentando a tensão da seqüência, sem fazer com que esta perca nada no quesito adrenalina.

A direção de fotografia, que ficou por conta de Joaquín Baca-Asay, concede a fita um ar de produção dos anos 80, condizente com a época durante a qual a história se desenrola. O trabalho de Baca-Asay é bastante eficiente, se destacando nas cenas noturnas, que geram quadros bastante interessantes do ponto de vista estético. Já a edição conduzida por John Axelrad não deixa com que a película perca o ritmo, ganhando maior intensidade nas cenas de ação.

A interessante premissa do longa acaba se perdendo no terço final da produção, onde Bobby toma uma decisão totalmente sem sentido dentro da narrativa, jogando o filme numa espiral descendente da qual só se recupera em seus derradeiros instantes. Porém, ótimas cenas de ação, alguns bons diálogos e, principalmente, ótimas atuações por parte de Phoenix e Duvall, fazem o filme valer a pena.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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