Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de novembro de 2007

Donos da Noite, Os

O drama policial “Os Donos da Noite” marca a retomada de James Gray após sete anos e traz um elenco estelar encabeçando a história. Entretanto, o filme demonstra ser apenas mais um exemplo do que poderia ter sido bom, mas não foi.

A trama é ambientada na Nova York de 1988, época na qual a polícia usava a frase “Somos os donos da noite” para mostrar sua virilidade mediante ao indiscriminado tráfico de drogas e a crimes cruéis na cidade. Bobby Green (Joaquin Phoenix) é o gerente de um clube local e que renega a família composta por seu irmão Joseph Grusinsky (Mark Wahlberg) e seu pai Burt (Robert Duvall). Os laços familiares serão postos à prova mais uma vez quando Joseph, tenente renomado na polícia local, precisa prender um grande traficante que freqüenta a boate administrada por Bobby. É aí que Bobby precisa decidir em que lado ficar, principalmente depois que Joseph é gravemente baleado. A família começa a caçar o traficante, pondo em prática o lema que carregam no uniforme.

A semelhança do formato de filme policial que James Gray oferece em “Os Donos da Noite” se assemelha em muito com o que era feito há algumas décadas. Mocinhos e vilões natos, além conflitos familiares nos quais um dos filhos é melhor aceito devido a fidelidade com o sobrenome da família, enquanto o outro é renegado. O questionamento seria até onde continuar fazendo filmes assim visto que nas mãos da contemporaneidade muita coisa pode soar piegas? O fato é que não tem diretor mais técnico que transforme um roteiro meia-boca em um verdadeiro exemplar de filme policial. Se analisarmos o público para qual este filme é destinado, não há em nenhuma esquina da projeção algo que traga novidade para a indústria cinematográfica. É incrível como os produtores continuam se dando ao luxo de produzir qualquer coisa.

Gray consegue se perder no que ele próprio escreveu. Sem a mínima naturalidade em expor os conflitos de seus personagens, o cineasta constrói um insosso paradigma para a história. Durante a primeira hora de projeção, sequer temos a certeza de qual o principal conflito da trama, se vai apelar para o lado sentimental da família, ou do herói que tem uma retomada de posição, ou da conscientização de que o bem vence o mal. Por mais que não fique claro se a história penderá para qual lado for, é bastante previsível como tudo vai se desenrolar. O problema principal é que o roteiro cai no mal gosto de conseguir esfregar na cara do público o óbvio muito antes de mostrar aos personagens, tornando aquela jornada maçante. Tal jornada ainda consegue revelar diálogos extremamente vazios, além de pôr os personagens em diversas situações constrangedoras, nas quais pouca credibilidade é conquistada por eles. Até onde acompanhar o choro de um irmão que está aparentemente arrependido das desavenças familiares se em nenhum momento é posto que existe sentimentalismo naquela família? É muito melodrama convencional que descaracteriza e retrai a atenção da história.

A direção de Gray segue metódica por muitos momentos, mas consegue conciliar bons elementos em cena. Por mais que os momentos de ação não se destaquem tanto, Gray sabe utilizar de tomadas especiais para dar a sensação de proximidade do espectador ao objeto. Às vezes se perdendo no que quer demonstrar, Gray acaba jogando o peso do longa nas costas de Joaquin Phoenix, que precisa caminhar com a função de dar mais sentido aos fatos. Phoenix tem uma capacidade incrível para conflitos dramáticos, que pôde demonstrar desde “Contos Proibidos do Marquês de Sade” e que chegou ao perfeccionismo com “Johnny e June”. Em “Os Donos da Noite”, Phoenix não se afasta dos clichês, mas consegue um resultado acima dos outros atores. Mark Wahlberg nunca esteve tão apático em um filme e Eva Mendes só está na trama para registrar o objeto de desejo do herói e para mostrar o quanto é bonita, apesar de ir ficando feia até o fim da película. Robert Duvall consegue dosar bem a relação pessoal que tem com os filhos, mas deixa muito claro o destino de seu personagem. O restante do elenco não passa de meros figurantes que vez ou outra tentam dar importância à trama, ao passo que só conseguem desgastá-la mais ainda.

Como nem tudo é só desgosto, “Os Donos da Noite” acerta na trilha sonora e, principalmente, na ausência dela. O longa poderia ter caído mais ainda nos estereótipos se a cada perseguição ou momento de tensão subisse aqueles efeitos sonoros que dão frio na barriga do espectador. Se isso acontecesse, não seria natural, já que o longa sofre com crise de identidade. Como não acontece, acaba sendo um ponto positivo para aquilo que poderia ter estragado mais ainda a produção. Os efeitos sonoros chegam também se destacam (até quando o personagem de Phoenix coça o rosto é possível ouvir um ruído), principalmente quanto às trocas de tiros. Em contrapartida dos artifícios da trama, nenhum gelo seco vai dar a entender que um matagal está realmente sendo queimado ou que o uso excessivo de “sangue” em alguns personagens tenha sentido. Mas acontece.

Ao fim de “Os Donos da Noite”, aquela sensação de que conferimos apenas um entretenimento razoável é inevitável. Em tempo que as portas para os concorrentes do Oscar estão abertas, é difícil fazer com que o longa fique na lista dos preferidos não só para as premiações, mas como exemplo de produções dignas de aplausos. Para quem gosta do gênero e já assistiu de tudo, por que não assistir a “Os Donos da Noite”? Afinal, tem gosto para tudo.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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