Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Céu de Suely, O

“O Céu de Suely” é resultado de uma experiência única no cinema nacional. O método de trabalho do diretor Karim Aïnouz e da preparadora de elenco Fátima Toledo aliado ao talento de Walter Carvalho e ao roteiro tão real faz deste o melhor brasileiro dos últimos anos, quiçá desde a retomada.

Hermila (Hermila Guedes) fugiu há dois anos com o namorado para São Paulo, em busca de uma vida de sonhos. Levando, porém, uma outra vida insustentável pelo alto custo da cidade e, agora, com um filho no colo, ela retorna à cidade natal no interior do Ceará com a promessa de que dali a um mês o pai da criança se juntaria aos dois. Promessa que não se concretiza. Percebendo a real situação, Hermila toma uma decisão que mudará seu rumo: rifar o próprio corpo a fim de conseguir dinheiro para uma nova passagem, dessa vez com destino ao Rio Grande do Sul.

Nesse meio tempo, ela encontrará a antiga paixão, uma nova amizade e obstáculos fora e dentro de casa. No entanto, a vontade de sair dali é maior. Mesmo tendo em Iguatu tudo o que poderia querer, Hermila precisa ir-se. Sua história nos parece familiar. Muitos de nós já presenciamos fortuna semelhante. Essa mesma história adquire vozes diferentes à nossa volta, mas representam o mesmo desejo: partir em busca de um sonho. Não é por acaso que as personagens principais recebem o nome de seus intérpretes. Uma história comum ao nosso povo, vivida por muitos. O resultado não poderia ser diferente e a identificação é imediata. Do forró eletrônico ao ato de burlar o calor à porta da geladeira, tudo no filme é parte do cotidiano cearense.

Oprimida pelo vasto céu azul, elemento do sertão que raramente é notado em detrimento do sol e da terra, Hermila sente aquela inquietação de querer ir e ao mesmo tempo a necessidade de estar entre os seus. É aí que começa o conflito Hermila/Suely. Hermila faz parte daquela realidade. Mas já não o faz. Talvez nunca tenha feito. Acometida por esse paradoxo, resolve partir. Sem rumo definido, essa inquietação é facilmente percebida na cena em que pergunta à bilheteira qual a passagem que ela tem para mais longe. Hermila sofre o preconceito por ter escolhido esse caminho, mas é impossível julgá-la. Assim como é impossível julgar sua avó que a expulsa de casa ou quaisquer das outras personagens.

A plasticidade única do céu do sertão cearense é aproveitada pelo trabalho de Walter Carvalho e, ao contrário do que acontece costumeiramente, ocupa dois terços da tela. A câmera sempre muito próxima à pele da protagonista é outro ponto que nos chama a atenção. Karim Aïnouz construiu um filme sobre essa moça e, ao mesmo temo, sobre todos nós. Com uma trilha sonora que vai do tecnobrega à música minimalista alemã e com atuações verdadeiras e delicadas, fruto do trabalho constante do diretor para que toda a equipe acertasse o passo junto ao seu e da dedicação da preparadora de elenco, “O Céu de Suely” emociona e faz um apaixonante documento de um sentimento que pulsa no coração nordestino.

Em tempo, o filme fez parte da seleção oficial dos Festivais de Veneza e Toronto em 2006 e levou os prêmios de melhor filme, diretor e atriz no Festival do Rio, também em 2006.

Igor Vieira
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