Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de novembro de 2007

Leões e Cordeiros

Com um roteiro absurdamente sufocante discussão sobre os mais diversos assuntos políticos e sociais de uma nação, o filme pega os Estados Unidos para promover com mais secura tais aspectos. O longa amarra sua ideologia em personagens que argumentam, questionam e contrapõem opiniões. Entretanto, Robert Redford não consegue atualizar o projeto como obra cinematográfica, ficando presa apenas a um roteiro competente.

Retratando os Estados Unidos na guerra do Afeganistão, o longa traz a leitura de seis personagens quanto ao poderio das grandes potências em disputas militares, além de fazer uma abordagem sobre a função de cada indivíduo dentro da sociedade. Jasper Irving (Tom Cruise) é um Senador ambicioso e cheio de idéias. Retratando o perfil de um político que tem sempre as respostas na ponta da língua e sabe comover para conseguir o que quer, Irving se reúne com Janine Roth (Meryl Streep), uma jornalista influente. A intenção de Irving é passar em primeira mão uma pauta sobre as novas estratégias de guerra dos Estados Unidos no Afeganistão, o que resultaria em uma suposta vitória. Em paralelo, a segunda história é composta por Stephen Malley, um professor universitário que, percebendo a capacidade de Todd (Andrew Garfield), um de seus alunos, tenta conscientizar da função dos jovens meio à política e às mazelas sociais. Stephen pega como exemplo a história de outros dois alunos, Arian (Derek Luke) e Ernest (Michael Pena), que estão nas montanhas do Afeganistão lutando por algo que faça sentido em suas vidas.

É fácil supor no que resulta um elenco principal renomado fazendo a leitura de uma história que, independente da época em que se ambientasse, continuaria sendo atual. Tom Cruise deixou de ser apenas um rosto bonito em Hollywood ao encarar com punho forte papéis mais sérios em sua carreira. Meryl Streep já se consolidou como uma das atrizes inquestionáveis do cinema, bem como Robert Redford, um dos mais influentes no mundo da Sétima Arte. O pouco conhecido Matthew Michael Carnahan assina o roteiro de uma forma ampla e passível de debate. A forma como organiza as informações e a construção de personagens estereotipados que defendem visões diferentes foram fundamentais para trazer para a história uma consciência político-social de qualquer cidadão, ativo ou não. Podemos perceber que o principal acerto de Carnahan ao construir a história é mesclar as funções, bem como a importância, de poderes como a política, a educação e o jornalismo dentro da trama. Percebemos não só uma troca de interesses, mas também uma mistura que acaba sustentando a sociedade tal como ela é.

Bem mais importante do que esses três poderes é a leitura que o roteirista faz dos jovens. Sempre vistos como os responsáveis por mudanças na sociedade, ele contrapõe três estudantes com ideais que se assemelham, mas se distanciam quanto à forma de executá-los. O mais interessante na abordagem dos estudantes é perceber como a consciência deles vai se construindo, o que o roteiro deixa bem claro. Ao final, quando a história fica em aberto, o público pode supor ou não o que foi resolvido pelos envolvidos na história, sem ter algo específico em que precise acreditar. Essa liberdade de construção do roteiro que vai de frente com a visão do espectador e funciona como válvula de escape para que o filme esclareça sua importância de estar ali. Até porque tais discussões já foram retratadas em várias outros filmes e mídias, então algo novo precisaria ser revisado para que funcionasse de maneira coerente. A chuva de informações e a articulação dos personagens precisam de uma atenção especial, para que a história toda se justifique.

Um roteiro bom tem a capacidade de gerar um filme interessante independente de quem o dirija. Claro que há certas peculiaridades que são aderidas ao roteiro pelo diretor, mas se a história não for bem argumentada, o diretor pode ser o melhor dos últimos tempos que não vai conseguir um resultado altamente satisfatório. No caso de “Leões e Cordeiros”, Robert Redford se restringe a registrar os ideais da história de Carnahan. Redford pouco faz para criar uma identidade visual, enclausurando os personagens em seqüências densas que se intercalam entre as três histórias principais. Além disso, percebemos que há pouco processo criativo na forma de condução de Redford, limitado apenas a fazer o feijão com arroz. Nem como diretor de atores Redford merece destaque, deixando para que o elenco construa particularmente seu personagem.

É visível a naturalidade com que Janine contra-argumenta o Senador. Meryl Streep é rápida e analítica, sendo essas algumas das características que mais marcam seus trabalhos. Streep é conhecida pela versatilidade, e aqui dá mais um exemplo do que é capaz. Além da inteligência exacerbada de Janine, Streep mostra também o sufoco para aquela que possui a mídia para fazer o certo ou o errado. No mesmo molde está Tom Cruise como o Senador. Em um determinado momento, ele chega a emocionar com seu discurso, mas fica claro suas segundas inteções. Redford defende a ideologia educacional de que é preciso fazer alguma coisa para mudar o futuro, mas acaba abrindo uma interrogação se realmente é preciso ou não se preocupar com as conseqüências de ações quaisquer.

Os personagens interpretados por Michael Pena e Derek Luke pouco convencem como jovens que derramariam sangue pela nação, porém o resultado final deles acaba sendo positivo por demonstrar uma ideologia esquecida por muitos outros jovens, apesar de serem retratados com um patriotismo difícil de encontrar. Já Andrew Garfield é o aluno teimoso e sem esperanças que prefere viver como está do que se preocupar com seu lado social. Entretanto, a ousadia em ser um personagem um tanto quanto cínico não funciona quando ele precisa tomar as decisões de seguir ou não as orientações do professor, justamente pela falta de carisma.

Quanto à parte técnica, a direção de Redford não recebe tanto auxílio. Limitado a poucos cenários, algumas cenas são enfadonhas e pouco convincentes, como as cenas no Afeganistão. As explosões e os efeitos especiais também pouco se destacam, bem como a trilha sonora, que aparece levemente em momentos-chave da trama. Por ter seqüências longas, erros de continuidade são quase impossíveis de não acontecer, e ainda têm a ajuda de uma edição abrupta. Mesmo assim, “Leões e Cordeiros” é um filme reflexivo e que merece uma atenção do público em geral. A trama cutuca a ferida para realmente analisarmos até onde somos conformistas e até onde agimos em busca de algo. Seríamos leões ou cordeiros?

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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