Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de novembro de 2007

Mandando Bala

Contendo ação despretensiosa, frases de efeito e uma trilha sonora mais que adequada, "Mandando Bala" é o filme perfeito para quem procura uma diversão rápida, descompromissada e repleta de tiros e violência cartunesca.

Como seu personagem em "Mandando Bala" mesmo diz, o ator Clive Owen assumiu o caro de babá inglesa muito mal-humorada. Após proteger uma criança miraculosa até as últimas conseqüências no genial "Filhos da Esperança", o ator britânico agora banca o anjo da guarda de uma desconhecida grávida e, posteriormente, do filho desta, encarando um assassino profissional com problemas domésticos e um suprimento infindável de capangas. Além disso, entra no meio de uma conspiração envolvendo um conglomerado armamentista, enquanto cuida do bebê e de uma linda prostituta cheia de leite em seus seios.

Já deu pra notar que o filme possui tantos elementos extravagantes (para se dizer o mínimo) que é difícil levá-lo a sério, não? Para nossa sorte, o diretor e roteirista da produção, o praticamente desconhecido Michael Davis, tem uma noção perfeita do ridículo, o que acaba nos premiando com um filme extremamente divertido e despretensioso.

Logo de cara, somos apresentados ao personagem de Owen, conhecido como Sr. Smith. Com cara de durão e mastigando uma cenoura a la Pernalonga, ele estava apenas esperando o ônibus para voltar para casa quando vê uma mulher grávida correndo, sendo seguida por um cidadão armado extremamente suspeito. Com um olhar que parece dizer "por que essas coisas só acontecem comigo?", o protagonista vai intervir na situação, que logo se escala em um tiroteiro espetacular, quando o chefe do mal encarado bandido, o pistoleiro e consultor comportamental forense Hertz (Paul Giamatti), chega para confrontar o herói, enquanto a mulher grávida entra em trabalho de parto.

Durante a chuva de balas que se segue a criança nasce, mas sua mãe morre com um tiro na cabeça, colocando o durão e sarcástico Smith na posição indesejada de guardião do bebê. Buscando a ajuda de Donna Quintano (Monica Bellucci), uma amiga prostituta que acabou de sofrer um aborto, mas ainda está lactante, Smith parte numa cruzada de um homem só para descobrir o motivo de alguém querer ver um bebê. Na ocasião, acaba cruzando o caminho de uma gigantesca indústria armamentista americana, munida de um verdadeiro exército de capangas e do impagável Hertz. Para sua sobrevivência e de sua improvável companhia, nosso herói conta apenas com suas armas, habilidades, senso de humor sarcástico e um inesgotável suprimento de cenouras.

Contando com uma história sem pé nem cabeça dessas, obviamente o filme não iria se sustentar se dependesse unicamente de seu roteiro. Portanto, toda a força do filme jaz nas brilhantes e criativas cenas de ação, repletas de manobras absurdas por parte de Smith, frases de efeito hilárias e capangas voando a torto e a direito. Aliás, Hertz deve contratar seus homens no mesmo lugar que Darth Vader contrata seus stormtroopers, já que estes, a exemplo dos soldados imperiais de "Star Wars", parecem ser todos míopes, não conseguindo acertar nenhum tiro no mocinho da história. Eles deviam fazer que nem Smith e comer cenouras, já que fazem muito bem para a visão do protagonista da película.

O trio principal do elenco, que realmente precisam cair no gosto do espectador, entendeu muito bem a proposta do diretor da fita. As atuações lembram muito a de filmes como "Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!" e "Top Gang", já que, a despeito das situações incrivelmente absurdas que vivem, as interpretações são de absoluta normalidade, o que faz com que as gags funcionem muito bem.

Clive Owen encara seu papel de babá armada até os dentes com uma naturalidade incrível. Seu próprio carisma bruto já o torna natural para filmes-testosterona como este, já que possui uma presença máscula e um timing perfeito para disparar piadinhas e frases de efeito antes de mandar capangas desta para a melhor. Acredite, quando Smith disser "Sabe o que realmente odeio?", você não vai querer estar no recinto para saber a reposta. Sua parceira de cena, a estonteante Monica Bellucci, faz exatamente o que se espera dela num projeto como este – briga com o herói, se apaixona por ele e é incrivelmente linda.

Agora, palmas para Paul Giamatti. O seu Hertz é, com certeza, o personagem mais interessante da película. Incrivelmente inteligente, extremamente preciso em seus tiros, articulado e dominado por sua esposa. Hertz arranca risadas em cada telefonema que recebe de sua mulher, quase sempre em momentos inapropriados para conversas. A química de Giamatti com Clive Owen é fenomenal, fazendo com que as cenas que os dois dividem se tornem hilariantes, tal como a cena onde os dois fazem menção aos Looney Tunes ("O que é que há, velhinho?"). Além disso, certa piadinha com um dos filmes mais conhecidos de Giamatti, "Sideways – Entre Umas e Outras”, já nasceu clássica, embora tenha sido, infelizmente, perdida na tradução.

Também irá para a história dos filmes de ação a cena onde Smith e Quintano têm relação sexual enquanto o primeiro dá cabo de vários capangas que invadem o quarto onde os dois estão. Além de um show dado pelos atores (Bellucci está mais exuberante do que nunca nesta seqüência), o próprio ritmo da cena dá um impacto único, graças a um trabalho fenomenal da equipe técnica.

Falando desta, congratulações para o diretor Michael Davis. Dotado de uma imaginação ímpar para cenas de ação (tal qual a mencionada acima), ele transforma cada uma delas num espetáculo por si. Alia um senso de estética apurada ao ótimo trabalho dos atores e dublês e, principalmente, aos competentes profissionais responsáveis pela direção de fotografia e edição da fita.

Enquanto Peter Pau cria quadros extremamente bonitos, em uma fotografia irretocável, o editor Peter Amundson dá o devido destaque às cenas de ação, acelerando tudo o que se passa entre elas. Nada mais natural, já que toda e qualquer seqüência que não possua balas voando não passa de mera enrolação, com a película lembrando, neste quesito, uma fita pornô.

Completando o clima da produção, somos bombardeados por músicas extremamente agitadas, predominantemente do gênero heavy metal, que começam a tocar um pouco antes de cada seqüência mais movimentada. Nada mais natural, já que tal estilo de trilha, segundo o roteiro, acalma o bebê protegido por Smith.

Absurdamente divertido, "Mandando Bala" irá acertar em cheio o gosto dos aficionados por um bom filme de ação, sendo um perfeito exemplar de filme-testosterona que este público em específico adora.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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