Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Ponte do Rio Kwai, A

Sob o horror da Segunda Guerra Mundial a insanidade, a tirania e a injustiça foram os princípios básicos que ditaram e guiaram a avassaladora maioria das histórias que ocorreram nesse período sombrio e repulsivo.

Ao longo das décadas, a sétima arte nos deixou um legado de histórias épicas e fascinantes sobre esse tema (“O Pianista”, “A um Passo da Eternidade”, “A Queda”, “Lista de Schindler”, “Julgamento em Nuremberg”, “Hiroshima Meu Amor” e etc.). Filmes magníficos como esses transformaram-se em clássicos atemporais, pois sempre servirão como refúgio documental e reflexivo para cinéfilos, filósofos, psicólogos, historiadores e sociólogos. Filmes assim também têm a função social de alertar toda a humanidade para que sempre esteja atenta aos mais profundos e inconfessáveis impulsos de discórdia, dominação e destruição. Não foi à toa que o saudoso Viktor Frank sentenciou: “Depois de Auchiwts sabemos do que o homem é capaz e depois de Hiroshima sabemos o que está em jogo.”

O diretor David Lean (“Lawrence da Arábia” e “Dr. Jivago”) decidiu adaptar para o telona a história do livro “Le pont de la rivière Kwai” (1952, Pierre Boulle) com a imensa responsabilidade de documentar, alertar e entreter.

Em meio à selva Tailandesa, soldados britânicos são aprisionados e levados a um campo de concentração gerenciado por Japoneses. Lá recebem a ordem para trabalharem na construção de uma ponte sob o Rio Kwai que interligue uma malha ferroviária com fins bélicos e logísticos de extrema importância para os Japoneses e para os países do eixo.

O roteiro preocupa-se em dividir as atenções sob três personagens totalmente antagônicos: no comando dos soldados britânicos aprisionados está o coronel Nicholson (Alec Guiness) que tenta manter, a todo custo, a dignidade e a hombridade de seus soldados mesmo que para isso tenha que se auto-sacrificar. Do outro lado, comandando os japoneses, temos o “colonel” Saito (Sessue Hayakawa) que com uma “mão de ferro” impunha ditatorialmente todas as suas vontades, e como terceiro elemento nos é apresentado o comandante Shears (William Holden) que finge o tempo todo ser um oficial de alta hierarquia por uma questão de auto-sobrevivência e esperteza.

Todo o desenrolar da história se concentra na questão prática, moral e ética de se construir uma ponte para o inimigo ou não, e é ai que se encontra o grande mote e a grandeza desse clássico, pois a impressionante edição de David Lean nos faz ver de maneira cristalina como um mesmo fato (situação de guerra) pode ser interpretado de várias maneiras.

Beirando a insanidade e representando uma ótica racional, disciplinada e ingênua, temos a visão do coronel Nicholson; já com um comportamento oportunista e prático, o comandante Shears simboliza uma visão cínica e debochada e ao mesmo tempo sensata e humana como quando diz a um oficial: “É uma coisa ou outra. Destrua a ponte ou se destrua. Esta guerra é só um jogo. Você e aquele Coronel Nicholson. Você está cheio de coragem. Para que? Morrer como um cavalheiro, morrer pelas regras… quando a única coisa importante é viver como um ser humano!”. Com esse simples exemplo fica fácil imaginar a extrema qualidade da narrativa que esses 161 minutos nos apresentam e de como essa mesma narrativa mostra o dualismo de maneira simples, direta e eficiente.

Por outro lado, mesmo me arriscando em fazer uma crítica anacrônica, portanto injusta, tenho que admitir que me incomodou bastante o fato de um roteiro tão brilhante não se preocupar em momento algum em justificar o comportamento intransigente e imaturo do “colonel” Saito. A prova disso é que se o julgássemos apenas com o que o filme nos apresenta dele o veríamos como um homem tolo, bruto e quase sem causa. Uma pena, pois hoje sabemos que os japoneses jamais eram desleais e brutos (exceção com os chineses), pois ao contrário de todo o mundo, eles não lutavam por bens, terras ou hegemonia, mas sim por um Deus vivo que eles chamavam de Kami e que estava literalmente encarnado na figura do Imperador, mas isso é outra história.

Grande destaque dessa obra é a trilha sonora. Os acordes da marcha dos soldados já fazem parte da história do cinema como um dos temas mais cativantes já feitos. As atuações e figurinos se mostraram eficientes e impecáveis, mas sem nenhum grande destaque em especial e digno de nota. Já a edição se mostrou de tamanha competência que o simples fato de que em quase 3 horas não se perceber queda alguma na fluência se torna impressionante. É muito prazeroso ver a capacidade incomum de Lean em alternar fatos monótonos com cenas de ação, fazendo com que o espectador reflita e entretenha-se ao mesmo tempo e o tempo todo.

Acima de qualquer coisa, esse memorável épico ficará sempre marcado como a prova de que o cinema pode ser verdadeiramente uma vivência, uma experiência, um grande aprendizado e também um grande símbolo de brado ao horror e a insanidade que foi a Segunda Guerra.

Paulo Flausino
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