Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 04 de novembro de 2007

1408 (2007): mais que um filme de terror, apesar dos problemas

Adaptação de uma obra de Stephen King, o filme acerta ao dar mais importância ao terror psicológico enfrentado pelo personagem Mike Enslin do que simplesmente ao susto pelo susto. Dirigido por Mikael Håfström, o longa consegue ser interessante mesmo sem mostrar litros de sangue.

Um escritor que desmistifica casos sobrenaturais – não muito popular – e sem fé em coisa alguma. Isso é o que percebemos nos primeiros minutos de projeção sobre o protagonista Enslin, interpretado pelo versátil John Cusack. Aos poucos, vamos coletando algumas outras informações. Mike costumava escrever romances, era casado, pai, e tinha uma vida tranqüila, aparentemente feliz. Até descobrir que a filha era vítima de um câncer incurável, o que a levou a morrer – junto com a felicidade dele. Resolvido a provar que não existem fenômenos paranormais, em sua maneira de lidar com a dor, ele começa a percorrer o país visitando hotéis que dizem ser mal-assombrados (munido de equipamentos), para provar que nada daquilo existe de verdade. É quando acaba convidado a conhecer o quarto 1408, do Hotel Dolphin, onde se desenrola a trama.

Samuel L. Jackson, por incrível que pareça, faz uma ponta no filme, como o gerente Gerald Olin. O personagem tenta inutilmente convencer Enslin a não entrar no quarto, apontando para o fato de que 56 pessoas já morreram misteriosamente lá dentro. Mas nada o fará desistir, e ele sabe disso. Para Mike, trata-se de uma questão de honra. Mesmo dizendo precisar passar uma noite lá para contar a história mais verídica possível a seus leitores, fica claro que ele precisa daquilo para de alguma forma espantar seus próprios terrores, aqueles que não consegue superar ou ao menos lidar.

O cineasta sueco Mikael Håfström desembarcou em Hollywood sem fazer muito barulho. Quando lançou nas telas “Fora de Rumo”, viu a crítica cair em cima de seu trabalho, pelas “escorregadas” que deu. Não por não ser competente, mas acredito que por ainda não ter entendido como funcionava a indústria ali. Algumas boas decisões fizeram com que “1408” ganhasse mais credibilidade. O que poderia facilmente ter sido repleto de sangue e incluído cenas visualmente assustadoras, dá lugar a um terror psicológico que deixa o público de cabelo em pé. Incrivelmente, o longa-metragem consegue se segurar em basicamente um só personagem e cenário. Além disso, troca os incontáveis sustos no estilo, imagem recortada somada a um áudio que entra nos momentos certos, pela narração da trajetória desse homem, que se confunde com as alucinações que ele tem dentro do quarto.

Coube a John Cusack a função de colocar grande parte desse trabalho nas costas. Apesar de ter alguns outros personagens, esses são única e exclusivamente apoios para auxiliar a contar o drama de Mike Enslin. Eles aparecem na maioria das vezes em reflexões do protagonista, que começa a rever sua vida, conceitos e sua prepotência gerada a partir da máxima de que ele só acreditava em si mesmo.

Por vários meses, os trailers anunciaram o ponto principal do longa-metragem ao dizer que: “Quando Mike Enslin perdeu sua filha, ele perdeu tudo”. Mais que um filme de terror, “1408” é a jornada interna de um homem, que necessita urgentemente encontrar-se e redescobrir seu papel dentro do mundo. No turbilhão de descrenças que ele diz armazenar, existe a pura vontade de superar em sua trajetória os fatos que o abalaram tanto.

Beatriz Diogo
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