Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Invasores

Existem dois temas dentro do fantástico mundo cinematográfico de Hollywood que, apesar de amplamente explorados, quando querem ser levados a sério, necessitam de um cuidado muito especial para que os mesmos não se tornem uma comédia pastelão. São eles “viagem no tempo” e “extraterrestres”, este segundo, muito mais utilizado que o primeiro, talvez por ser menos delicado ou mais fácil de lidar.

Quem sabe não foi todo esse cuidado com o tema que levou o roteirista Dave Kaiganish à optar por (mais) uma releitura moderna do clássico do gênero, "Invasores de Corpos" (Invasion of the Body Snatchers – 1956). Essa atitude, que podia salvá-lo de cometer qualquer besteira, é exatamente o que lhe faz praticá-las. Sim, as besteiras, uma atrás da outra.

Elas começam logo nas primeiras cenas do filme, onde um dos personagens, após analisar os destroços de uma nave espacial (cena que dá início ao filme), e ser alertado de que substâncias estranhas foram encontradas nos destroços, pega um dos pedaços da mão de um estranho, que simplesmente se aproxima e entrega a ele. E já que estamos citando a “incapacidade intelectual” dos personagens, porque não mencionar a cena em que Carol (Kidman), em uma tentativa de fuga pelas ruas da cidade, acaba entrando em uma estação do metrô. Esta é outra “releitura moderna”, desta vez da clássica cena da loira que, quando perseguida pelo assassino, ao invés de sair pela porta, sobe as escadas, se encurralando cada vez mais. Daí pra frente nós já podemos esperar qualquer coisa do filme, e infelizmente é nisso que ele acaba se transformando: em qualquer coisa.

O enredo toma forma quando algumas pessoas começam a desconfiar que seus familiares estão agindo de forma estranha, e neste ponto outro erro grave é cometido, quando esta desconfiança se apresenta muito precoce. Talvez se um certo período de tempo tivesse passado, tudo seria um pouco mais plausível, mas o fato de alguém ter acordado um dia de cara virada, não significa necessariamente que existe uma conspiração extraterrestre disposta a dominar o mundo.

Os deslizes no roteiro são complementados com a direção desengonçada de Oliver Hirschbiegel. O clima de ação desejado pelo cineasta acaba se tornando algo desgastante, devido à secura da história (alguns conflitos paralelos mais elaborados ajudariam a amenizar a chatice que se tornou a busca pela criança e posteriormente outra busca por um lugar seguro), e também à ausência de personalidade nos personagens principais. Essa busca incessante do diretor por momentos de ação, que abusam de flashforwards, causando um certo desconforto no espectador, impede que os personagens adquiram uma certa individualidade, transformando-os em frutos casuais do próprio roteiro. Se os extraterrestres não têm muita personalidade, quem ainda não foi transformado parece sofrer do mesmo mal.

Nicole Kidman contribui em muito para criar esse clima insosso, pois, arrisco dizer que, pela primeira vez em sua carreira, a atriz está totalmente inexpressiva. Está certo que sua personagem passa boa parte do longa tendo que fingir que é incapaz de demonstrar sentimentos, mas até quando ela pode fazê-lo, parece não saber como demonstrá-los. Daniel Craig, desde a primeira cena, já aparenta ter se transformado em um dos ETs, o que não é verdade. No balanço final do elenco, quem parece ter ficado com o fardo de carregar toda a “personalidade” da produção nas costas foi Jeffrey Wright. Os elogios param por aí, pois o seu personagem é responsável pelo maior absurdo de todo o enredo, o de descobrir em pouquíssimo tempo, (por favor, uma grande ênfase na palavra “pouquíssimo”) o que é a epidemia, como ela age, quem é imune e como curá-la. Em se tratando de uma “inteligência” alienígena, é algo que não somos capazes de engolir tão facilmente.

Entretanto, nem só de erros vive uma produção ruim. Não podemos deixar de elogiar, por exemplo, a cena do metrô, onde Carol entra em um vagão com pessoas “normais” se passando por “infectados” (foi uma atitude estúpida ela ter entrado no metrô, mas ao menos isso gerou uma das melhores cenas do longa). Além deste momento, destaque também para a cena onde uma mulher totalmente transtornada tenta pedir ajuda à Carol em um túnel. Esta cena parece não ter nada demais até um certo momento mais adiante em que percebemos a mesma Carol na situação em que se encontrava a mulher “louca” de antes. Foi sutil, mas muito bem sacado.

Todos os créditos positivos do longe ficam à cargo destes dois breves momentos, já que Dave nem sequer teve a audácia de proferir um pouco de vida própria ao seu roteiro, onde poderia ter criado um final um pouco mais tenso. Ele optou pela “segurança” de um final politicamente correto.

Kidman e Craig, com seus nomes fortes e em constante ascensão, seriam uma espécie de válvula de escape para o caso da produção fracassar. Mas existem alguns casos específicos onde a qualidade (ou a falta dela) atinge um nível imaculado, inalterável, resistindo à qualquer fator paralelo. Às vezes pode ser muito bom, citemos o exemplo de "Efeito Borboleta", que eu classifico como “o filme que nem o Ashton Kutcher conseguiu estragar”, outras vezes pode ser muito ruim, como é o caso de "Invasores", que a partir de agora pode ser classificado como “o filme que nem a Nicole Kidman (com a ajuda do James Bond) conseguiu salvar”.

Angelo Mota
@

Compartilhe

Saiba mais sobre