Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 08 de novembro de 2007

Vida Secreta das Palavras, A

Depois do bem-sucedido "Minha Vida Sem Mim", a roteirista e diretora Isabel Coixet apresenta este drama, premiado no Festival de Veneza de 2005. Mais que uma história sobre pessoas reais, o longa trata do fato de que o amor é possível até mesmo para quem não espera por ele.

Hanna (Sarah Polley) é uma mulher profundamente solitária, que ocupa todo seu tempo no trabalho. Não tem amigos, não procura nenhum tipo de entretenimento e conserva a estranha mania de trocar o sabonete a cada vez que o utiliza. Ela come diariamente a mesma coisa e não se preocupa em ser sociável com os colegas de trabalho, que a consideram estranha por manter tamanha discrição. Quando seu chefe a chama para uma conversa, ela tem certeza de que será demitida. No entanto, o problema não está na maneira como trabalha ou em qualquer outro quesito relativo: o sindicato dos trabalhadores estranha o fato de ela nunca ter tirado uma licença em quatro anos. Obrigada a tirar férias, ela se vê atraída imediatamente por um novo trabalho que ocupará seu tempo, dessa vez como enfermeira. É então que ela conhece Josef (Tim Robbins, de "Sobre Meninos e Lobos"), o paciente que a espera em uma plataforma de petróleo.

Sarah Polley havia trabalhado anteriormente com Isabel Coixet no já citado drama autoral "Minha Vida Sem Mim", onde interpretava uma jovem que descobria ter uma doença grave, passando então a listar tudo aquilo que sempre quis fazer na vida, e nunca teve chance. Aqui ela vive o drama pessoal de alguém que viveu coisas que vão além do entendimento comum, coisas que pouca gente teria agüentado ou sobrevivido. De alguma forma, Hanna conseguiu enfrentar tudo e continuar ali – mas não se sabe se superou. Do outro lado, Josef paga por erros que provavelmente não poderiam ser evitado, se é que podem chamar-se erros. Quando se encontram, os dois passam a estabelecer uma difícil e estranha relação, que caminha a passos lentos, mas acaba evoluindo de uma maneira que nenhum dos dois poderia prever.

Polley e Robbins são uma jóia rara em cena. A princípio, tem-se a impressão de que não poderia haver dupla menos indicada para contracenar juntos que eles. Assim que passam alguns minutos de película, você entende exatamente porque eles foram colocados juntos, e como essa parceria funciona. Eles se encaixam. Toda a sensibilidade de Polley, que encarna essa jovem que é, ao mesmo tempo uma fortaleza e um poço de fragilidade; entra em um profundo contato com a experiência de Robbins, que sabe como poucos atores dividir cena sem perder o brilho. A direção necessária de Coixet consegue tirar dos atores exatamente aquilo que é suficiente para ser transmitido. É emocionante, chega a dar aquele nó na garganta.

Quarto filme da cineasta espanhola, o longa dá uma importância enorme para as palavras. Logo de cara percebemos isso pelo título do trabalho, que se encaixa perfeitamente nessa trama. "As palavras podem ferir tanto quanto as armas", disse Coixet. Se as palavras ferem, imagine o que acontece quando elas se juntam a imagens e sons que fazem você repensar tudo que tem vivido nos últimos tempos, as atitudes que tem tomado. O filme mostra aquilo que está além do nosso controle, além da nossa vontade. Mostra, acima de tudo, que nós podemos aprender a lidar com essas situações, por mais doídas que sejam.

Mesmo não sendo tecnicamente perfeito, "A Vida Secreta das Palavras" encanta por ser tão despretensioso e, ao mesmo tempo, tão delicado em sua história. O roteiro é profundo sem cair em ganchos desesperados de drama. Comove por ser puro, por ser genuíno. Tem um certo caráter de estudo e construção de linguagem que faz com que quem assiste esqueça que foi trabalhado; é como se acompanhássemos um drama que poderia acontecer com alguém que está ao nosso lado. Promove uma viagem interna, um segundo para tentar entender um pouco mais de quem é você próprio, do medo, angústia, confiança. Permite ao mesmo tempo que o público carregue dentro de si as mesmas sensações que vemos na tela, seja ela de instrospecção, seja de desconforto ou simplesmente paz.

Até mesmo a fotografia do filme passa melancolia. Assinada pelo experiente Jean-Claude Larrieu, que também havia trabalhado com a cineasta anteriormente, dá o tom certo de imensidão e solidão. O cenário em si já é um convite à reflexão. Em um local situado no meio do mar, ou seja, no meio do nada, menos de dez pessoas convivem juntas, gente que aprendeu a lidar com as diferenças, a superar atritos. Assim como os segredos de Hanna vão sendo mostrados, os ambientes passam a ser mais explorados. É uma desconstrução do mistério que envolve aquela moça passa a construir o que será passado para o público.

Ainda que pudesse ser melhorado, o longa-metragem já traz em si o que é necessário para constituir uma boa trama. Além disso, prova através de cada pedaço dele que ainda que você não queira ou procure, o amor está sempre ali. O importante é saber se você quer que ele faça parte da sua vida, se você se permite viver isso.

Beatriz Diogo
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