Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Viagem a Darjeeling

O nome de Wes Anderson é sinônimo de excentricidade. Sua figura inspira o cômico sem deixar de lado o bizarro. É sua personalidade que, como todo diretor de talento, está expressa em cada fotograma da película de “Viagem a Darjeeling”. Desde as cores vibrantes à escolha inusitada de atores, músicas e situações, não restam dúvidas de que o filme é de Anderson.

Três irmãos, ainda em luto pela morte do pai, realizam uma viagem de descoberta espiritual na esperança de reatarem o relacionamento fraternal, bastante fragilizado desde o funeral acontecido há um ano.

Wes Anderson mais uma vez retrata a excentricidade de uma família e explora as cores do mundo através de um olhar cômico e dramático ao mesmo tempo. Os personagens de Anderson possuem uma melancolia visível, um peso emocional transparente e é por carregarem uma angústia que beira o exagero se tornam figuras de humor, carismáticas e irresistíveis.

Bill Murray é a primeira imagem projetada na tela. Seu rosto marcado pela idade, complementado por um traje desalinhado e destoante do cenário indiano acusam a origem do homem que corre em desespero para não perder o trem. Logo atrás surge Adrien Brody, tão desengonçado e estrangeiro quanto Murray.

É a cena de abertura que dá o tom do filme. A partir do momento em que os dois americanos perseguem um expresso indiano ao som de uma divertida música, fica claro que “Viagem a Darjeeling” é diferente da maioria dos filmes exibidos durante a recente Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mas, nem por isso tem menor valor artístico ou conteúdo.

Adrien Brody logo se une a Jason Schwartzman e Owen Wilson, uma escolha acertada de atores que, seja por suas características físicas, seja pela qualidade cômica, formam uma família com toda a verossimilhança necessária para retratar a relação entre os irmãos Peter, Francis e Jack.

Francis, interpretado por Wilson, é o irmão mais velho que assume a criação dos irmãos. A morte do pai e a ausência voluntária da mãe colocam o peso da família sobre as costas de Francis, seu amor por Peter e Jack vai além da camaradagem e alcança características maternas, claramente herdadas de uma mãe afastada.

É Peter quem protesta contra a superproteção do irmão, mas fica evidente que é ele quem mais sofre com a falta de uma figura paternal em sua vida. Jack é mais sereno e ingênuo. O autor de contos e livros de ficção é o mediador entre os irmãos e o ponto de equilíbrio da trajetória da família. Jason Schwartzman, como Jack, é o astro do curta-metragem “Hotel Chevalier”, com Natalie Portman. O curta fez parte do Festival de Curtas da Mostra de São Paulo e é um complemento a “Viagem a Darjeeling”. Jack sofre pelo fim de namoro e a ex sabe o que faz para tê-lo sempre que quiser. É ela quem molda o comportamento de Jack e assina a timidez e melancolia do personagem.

Determinado em conhecer melhor Peter e Jack, em tentar por fim superar a morte do pai e talvez convencer a mãe a assumir seu papel na família, Francis propõe que, a bordo do Expresso de Darjeeling, os três se entreguem à espiritualidade que exala das paisagens da índia. Com seu rosto desfigurado devido a um acidente, Francis justifica a idéia e convence o grupo.

“Viagem a Darjeeling” é muito mais do que um “road movie”, do que uma narrativa sobre a descoberta individual durante uma trajetória física. Wes Anderson não precisa de mais do que seus personagens e cores para traçar o conto de irmãos determinados a reunirem a família, mesmo que sejam somente eles.

O filme teria o mesmo impacto se passado dentro de um quarto de hotel ou de uma cabine do trem. A personalidade de “Viagem a Darjeeling” está no trio protagonista e, como inclusive Peter evidencia, a Índia e suas características particulares apenas temperam a trama.

“Viagem a Darjeeling” se destaca, obviamente, por ser tão excêntrico quanto seu diretor. Mais ainda. A qualidade do filmes está em ser artístico sem ser chato, em ser extremamente divertido sem perder em conteúdo. O longa é uma obra que vale a pena ser assistida. Não é uma grande expressão do cinema, não é uma incrível representação da sétima arte, mas por ser tão distante do que normalmente surge nas salas de cinema merece ser apreciado pelo público não acostumado a freqüentar cineclubes e conquistar aqueles que, de tão acostumados, perderam o sentido da descontração.

Lais Cattassini
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