Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 09 de outubro de 2007

Putz! A Coisa Tá Feia

Inspirada na história do Patinho Feio, a animação “Putz! A Coisa Tá Feia” chega sem atrativos aos cinemas brasileiros. Com personagens inexpressivos e pouco carismáticos, além da dublagem nacional medonha, a história não acerta o foco narrativo e se revela desagradável.

Ratso é um rato da cidade que adora o show biz. Ele promove eventos com seu grande astro, a minhoca Wesley, mas não é bem recebido. Em mais um de seus shows, Ratso e Wesley se vêem em perigo quando Phyllis, uma rata de topete roxo e dois ratos brutamontes começam a persegui-los. A dupla acaba fugindo em um trem, porém se separa quando Ratso almeja ir para o parque de diversões e Wesley fica preso em uma garrafa de tequila. No meio do percurso, Ratso acaba encontrando um ovo e se metendo dentro de um galinheiro. Com patos e galinhas furiosas, o ratinho precisa convencer que é gente boa antes que entre em confusão. É aí que do ovo sai um patinho que recebe o nome de Feio, justamente por ser diferente e nada atraente como os outros patos. Feio passa a chamar Ratso e pai, e os dois começam a viver aventuras juntas que mudariam suas vidas.

O tema da aparência não é novo nas animações cinematográficas. A franquia “Shrek” é um bom exemplo que trabalhou com a aparência do personagem-título para ensinar que a beleza está nos olhos de quem vê. Quando não é tema central, a beleza é posta nas animações como um fator atrativo para seus protagonistas, sempre limpos e belos. Os vilões, no caso, são os mais obscuros, não tão bonitos e com a voz macabra. Pioneiramente, a história original do Patinho Feio já trazia essa lição, mas a releitura feita em “Putz! A Coisa Tá Feia” deixa a desejar justamente por não conseguir aspectos novos à trama que consigam bater as animações melhor conceituadas. São vários os erros. Feio, por exemplo, não vê seu reflexo nem na água, nem em canto algum, apenas aceitando que é uma “aberração”, como os outros lhe chamavam. Isso dá margem para todo um melodrama do personagem que não fica bem articulado justamente por não conhecer a si mesmo. E qual o parâmetro de beleza que Feio teria para concordar com isso? O personagem apenas vê alguns cisnes adultos no lago, e nada mais. No caso, seria importante que Feio tivesse contato com outros bebês de pato para notar sua diferença e se convencer dela.

Além disso, a narrativa peca pela falta de afinidade em fazer com que os fatos aconteçam naturalmente. Desde o início, não se sabe porque Phyllis e os brutamontes perseguem Ratso. Quando o motivo é revelado no final da trama, não há originalidade, sendo até constrangedor. Outro fato é como as situações trabalhadas pecam pelo excesso. Quando Ratso cai no galinheiro, por que tanta ira das galinhas? Ratos são ágeis e Ratso poderia ter fugido dali em questão de segundos, com ou sem o ovo. Quando Feio sai do ovo, sua feiúra é preservada, mas não deixa de ser um personagem carismático. Entretanto, a história usa de um artifício absurdo para evoluir o animal. “Da noite para o dia”, como diria Ratso, Feio passa de um bebê para um adolescente, e o público sofre o impacto junto com Ratso. Não há justificativa para isso, além de privar que os dois protagonistas tenham mais momentos juntos para que, mais tarde, seja convincente a redenção de um deles, o que não acontece. Quando Ratso entende que usar a feiúra de Feio para atrair público aos seus shows, não passa a credibilidade que ambos realmente se gostavam para que gerasse o desenrolar falsamente dramático abordado no filme.

Os personagens secundários são mal aproveitados. A minhoca Wesley, por mais tosca que seja a dublagem, poderia ser um bom gancho para momentos de diversão no longa, mas resume-se a apenas algumas aparições. Nem o fato de ter sido presa em uma garrafa de tequila foi bem articulado. Neste caso, seria ótimo ver a minhoquinha bêbada brigando com Ratso, ao invés de usar cafeína para eletrizar os personagens, como outras animações fizeram. A “vilã” Phyllis é deplorável. Ela sempre aparece para pôr pimenta na história, mas não consegue sequer justificar sua existência. Ela parece mais um membro da Equipe Rocket, do desenho “Pokémon”, além de receber a pior dublagem de todo o filme, quiçá de todas as animações dos últimos dez anos. Larissa Queiroz parece ler o texto de Phyllis em todos os momentos, e prova a incapacidade de atuar vocalmente. A patinha Daphne é uma que, felizmente, recebe uma boa dublagem, mas também se encontra deslocada na história. Ratso recebe a voz de Tadeu Mello, sempre exagerado nas suas reações. Entretanto, do meio para o final é fácil se acostumar com os excessos. Em contrapartida, os melhores vocais ficam para as duas fases de Feio, bebê e adolescente, bem como o amor de Feio, a patinha Jessie.

Em termos de animação, “Putz! A Coisa Tá Feia” sofre com a pouca disposição de equipamentos de qualidade para a construção dos personagens e dos cenários. Quase sempre pecando por trazer personagens borrachudos, além de inexpressivos e estáticos, os cenários se perdem em colorações pardas, sem vida e não palpáveis. Aliás, a coloração foi outra coisa desagradável nos personagens. Notem as sombras pretas e azuis dos olhos da Pata que reclama de Ratso no galinheiro; mais parece que foi pintado com o Paint. O mesmo acontece quando uma raposa aparece para provocar perigo, com seus grandes olhos pintados e, claro, um leve toque homossexual na voz para ridicularizar a valentia do animal. Já a trilha sonora é tão medíocre quanto o visual final da animação. Sem ao menos manter uma regularidade, o instrumental aparece nas horas erradas e se omite quando mais é necessário de algo para movimentar a narrativa. Como se não bastasse, os diretores ainda ousam na criação dos planos e movimentações de câmera incabíveis em cena, pensando que estão em um longa live-action, como praticamente usar uma grua para fazer um plano geral do galinheiro.

Avesso a momentos de risadas, “Putz! A Coisa Tá Feia” sequer consegue levar um bom entretenimento às crianças, restritas a confusões saturadas de animações convencionais. Os realizadores atolam seus nomes em uma produção medíocre, que certamente não chama a atenção nem pelo título, muito menos pela história. Aliás, o trailer ainda pode ser sim um álibi para o público conferir o filme, já que é bem mais interessante do que o longa em si. De qualquer forma, uma produção completamente sem atrativos. Putz!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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