Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de setembro de 2007

Hairspray – Em Busca da Fama

"Hairspray" é mais uma pérola do gênero musical, fruto da tendência de filmar os maiores sucessos da Broadway. A diversão, aliada ao conteúdo, não decepciona nem cansa.

“Moulin Rouge” levou de volta aos cinemas um gênero que estava esquecido. Os musicais tiveram seu auge nas décadas de 1950 e 1960, promovendo estilos, grandes astros e, mais importante, fantásticas trilhas sonoras. Mais tarde, o exagero musical parou de conquistar.

Após o filme estrelado por Nicole Kidman, a tendência continuou com “Chicago”, vencedor do Oscar e adaptação de uma peça da Broadway. Desde então, a cada ano, um filme musical surge, agradando mais e mais o público, e é da luminosa rua de Nova York que vem a inspiração. Foi assim com o recente “Dreamgirls” e é assim com “Hairspray”.

John Waters, o bizarro diretor de pérolas como “Pink Flamingos” e “Cry Baby”, criou a história de Tracy Turnblad, uma garota sonhadora e gordinha. A versão original de “Hairspray” chegou aos cinemas em 1988 e marcou uma inserção de Waters em um gênero mais próximo do comercial. Ambientada em Baltimore, cidade natal do diretor, o filme mostra como Tracy, que sonha em participar de um programa de TV, aprende a lutar por seu sonho e motiva todos a fazerem o mesmo.

Com o colorido especial, sempre presente nos filmes de Waters, e uma premissa perfeita para se tornar um musical, não era de se surpreender que a história partisse para os palcos. Em 2002, Tracy Turnblad estreou na Broadway, e se tornou um grande sucesso, levando, em 2003, o prêmio Tony de melhor musical.

O show de Corny Collins é o mais popular da TV local. Todos os adolescentes assistem e conhecem as músicas e coreografias lideradas por Amber Von Tussle e Link Larkin, mas nenhum tem tanto talento como Tracy. Quando existe a chance de se tornar parte do elenco do programa, Tracy não perde a chance, mesmo a contragosto de sua mãe Edna. Entretanto, a diretora da emissora, Velma, não está interessada em tornar a mídia mais realista com jovens diferentes dos brancos e magros a que estão todos acostumados.

Tracy aprende que não é somente ela que não pode estar na TV. Todos os negros de Baltimore são discriminados, talvez em maior intensidade, e têm apenas um dia por mês dedicado a eles.

“Hairspray” está muito longe de ser um filme superficial. Trata da segregação, do preconceito e, principalmente da aceitação. Com um tema tão complexo e fadado a alguns clichês, o mérito tanto do filme original, quanto do musical e agora da versão de 2007, dirigida por Adam Shankman, está em tratar do assunto de maneira divertida.

O drama de Tracy, discriminada por seu peso, de sua mãe Edna, que nunca conseguiu aceitar sua aparência, Seaweed, um jovem negro com extremo potencial para a dança e de tantos outros personagens não fica explícito até o clímax. Não é preciso deixar evidente o quanto o preconceito atinge a todos. Algumas décadas de história deixaram isso bem claro e não são quase 2 horas de projeção que irão fazer pensar. Não é o racismo o mal a ser superado, mas sim os preconceitos internos de cada um.

Cada um dos personagens apresentados possui um motivo pelo qual se envergonhar ou entristecer. Penny Pingleton, melhor amiga da protagonista, é reprimida pela mãe e nunca foi plenamente feliz. Corny Collins não consegue se impor na emissora e fazer com que a justiça prevaleça em seu programa. Link Larkin continua preso na imagem de garoto bonito e superficial. Somente Tracy tem a coragem de enfrentar seus medos e se expor em função de um objetivo social.

É a fantástica trilha sonora e os contagiantes números de dança que fazem a temática profunda de “Hairspray” se tornar parte da diversão e não uma lição de moral. Quase todas as músicas seguem letras e melodias da Broadway, mas algumas surpresas surgem para pontuar alguns personagens que merecem destaque. É o caso de Velma, personagem de Michelle Pfeiffer. A racista e poderosa loira cantava apenas uma música no teatro, mas na tela grande ganhou uma participação sexy quando tenta conquistar Wilbur Turnblad.

John Travolta, como Edna, também ganhou atenção, mas não musicalmente. Travolta tem orgulho em dizer que foi o primeiro homem a interpretar uma mulher de verdade, o que pode ser pretensioso, mas não deixa de ter seu fundo de verdade. Edna não é um homem vestido de mulher. É uma mãe carinhosa e superprotetora que não quer que sua filha se machuque em um mundo cruel movido por aparências.

Se “Hairspray” falhasse em roteiro, música e direção, o elenco ainda salvaria. John Travolta e Michelle Pfeiffer sozinhos seguram as piadas mais simples e as cenas mais profundas. Queen Latifah empresta sua voz e seu talento para uma das personagens mais fortes e mais sinceras do filme. Christopher Walken é sutilmente divertido e sua simples presença como pai de Tracy provoca o equilíbrio na família Turnblad. James Marsden é uma surpresa mais do que agradável. Todas as cenas em que aparece são imperdíveis e Corny Collins é um personagem dispensável. Marsden traz alma e carisma a um coadjuvante com potencial vocal.

As crianças não ficam atrás. Até os que desconfiam de Zac Efron, o novo galã adolescente, devem concordar que, como Link Larkin, a escolha foi ótima. Elijah Kelly tem uma potente voz, ainda que suave, e um charme inegável. Amanda Bynes é a única que destoa do grupo, mas não por falta de talento e sim por um fraco aproveitamento do roteiro. Penny, que deveria ser uma companheira espirituosa para Tracy, fica jogada à sorte.

Mesmo assim, o filme é de Nikki Blonsky, a garota descoberta em testes realizados por todo os Estados Unidos e que recebeu a notícia de que tinha ganho o papel quando ainda trabalhava em uma sorveteria. Mais do que voz, Nikki tem um sorriso contagiante e a capacidade de conquistar até o mais frio do espectador. Ela é Tracy Turnblad, tão otimista e confiante quanto e tão talentosa quanto.

“Hairspray” tem o espírito do musical, representa tudo o que um bom filme regado a música deve ser, mas, por mais que tenha conteúdo e diversão, deixa a sensação de que faltou algo, que existe muito mais a ser explorado, que o assunto poderia ser mais elaborado e a dramaticidade de uma época um pouco mais clara. Nada que cause perda de qualidade, mas um motivo a considerar. Fora isso, essa nova pérola do gênero merece um lugar entre os melhores do ano, mesmo que não no topo da lista.

Lais Cattassini
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