Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de outubro de 2007

Desbravadores

O visual bonito não é nada frente à barbárie que é o roteiro. Fraco, previsível e descontínuo, eis a grande mostra do que um roteiro é capaz de fazer com um projeto. “Desbravadores” mostra que, filme sobre “exército de um homem só” tem que estar com todos os elementos muito harmoniosos para não causar risos.

“Desbravadores” é uma refilmagem de “Ofelas”, de 1987, dirigido por Nils Gaup. Enquanto “Ofelas” se passava na Europa, no ano 1000, o roteirista Laeta Kalogridis resolveu trazer a história de “Desbravadores” para a América pré-colombiana. Uma mistura de ameríndios, com vikings (chamados de “povo do Dragão”, pelos personagens) e uma espécie de Rambo pré-colombiano. É isso mesmo, envolto a uma história sem sentido, onde tribos boazinhas são devastadas por um povo do mal, há um exército de um homem só: Ghost (Karl Urban, de “O Senhor dos Anéis: As Duas Torres”).

Ghost nasceu no “povo do Dragão”, mas em uma das investidas de massacre do seu pessoal, ele se viu incapaz de matar a sangue frio uma garotinha. Sendo assim, foi praticamente deserdado e condenado a vagar algum tempo na escuridão. Até que uma ameríndia caridosa o encontra dentro de um barco viking (se não fosse o esse barco, nunca saberia que de fato eram vikings) com uma espada. Os responsáveis pela aldeia da “alma bondosa” resolvem tomar de conta do garoto assustado e indefeso. Assim ele cresce e, como todo bom estrangeiro, não é unanimidade local. Entretanto, previsível como o roteiro já se mostrava, todos nós sabíamos que depois da rejeição, viria a aceitação. Para tanto, ele teve que mostrar suas habilidades e matar, matar, matar… sem esquecer de ficar com a bela moça, é claro.

O saudoso personagem Rambo é movido por um objetivo muito parecido com o de Ghost. A vingança é o prato principal. Logo, nenhum dos dois confia sua jornada a mais ninguém, somente a ele mesmo. Dessa forma, pegam o máximo de armas que podem e saem a matar com ganância qualquer que seja o inimigo à sua frente. Esses são os chamados “exércitos de um homem só”. O vingador faz armadilhas, dá saltos brilhantes, é silencioso quando precisa, mas brutal também, sabe tirar a vida de alguém de vários modos e, no final, fica com a mocinha até que precise de mais instinto vingativo para fazer o próximo filme.

Quem sou eu para duvidar dos filmes desse gênero. “Rambo” foi sucesso, tanto que Stallone procura revigorar a carreira com o quarto filme da série (isso depois de conseguir certo destaque com o sexto filme de “Rocky”). “Comando Para Matar”, do então governador Arnold Schwarzenegger, também teve lá seu destaque – mesmo que no Framboesa de Ouro, mas teve. A questão é: esses filmes funcionam tão bem quanto antes? Até seja que sim, não estou aqui sendo preconceituoso. Todavia, um roteiro muito bem acabado é importante para a boa aceitação do gênero. Roteiro esse que não existiu de forma alguma.

Laeta Kalogridis errou desde muito cedo e assim continuou. Faltou explicar de fato quem era quem no filme e porque eles faziam determinadas coisas. Esqueceu de aprofundar o vingativo personagem principal e deu a ele um romance fajuto colocando a mulher como uma simples copuladora. Tenha dó, essa época da mulher subjugada já passou. Veja bem os fantasiosos filmes de Quentin Tarantino, onde uma mulher, volta e meia, transforma a expressão “exército de um homem só” em “exército de uma mulher só” – Kill Bill é um exemplo disso. Fora os erros básicos, ainda coloca uma trama sem pé nem cabeça em locações estranhas. Foi ele quem realmente descreveu que o frio e o calor mudam constantemente? De uma hora para outra os personagens mudam do gélido cenário para o mais quente e aconchegante calor da América. A previsibilidade, porém, foi o carro-chefe do fraco roteiro. Ao assistir e pensar pelo menos um pouco no que está por vir, a pessoa acerta em cheio. Tente!

Esse é um grande exemplo do que algo filmado com certa qualidade pode ser destruído completamente pelo roteiro. O visual do longa-metragem é bonito. Tons de cinza contrastam com um sangue tremendamente avermelhado. Por falar em sangue, o diretor Marcus Nispel não o poupou de forma alguma. Não é à toa que ele vem da direção de “O Massacre da Serra Elétrica” (2003). Pelo menos nisso houve acerto. Lembrei muito da sangria dos filmes de Mel Gibson, por exemplo. Inclusive, não fora só uma direção satisfatória a vítima das linhas de Kalogridis. O protagonista Karl Urban conseguiu encarnar bem o personagem. Ele tem um olhar brutal necessário para o cárater do mesmo.

Quem acompanha meus escritos, sabe muito bem que de tudo tento tirar algo prazeroso. Dos filmes ruins, procuro rir dos erros. Eles se tornam uma comédia, por mais que não tivessem sido pensados para serem uma. Então, caso a intenção seja rir, arrisque-se a assistir “Desbravadores” ou a uma boa comédia. Se o seu caso é ver sangue e/ou exércitos de um homem só que valem a pena, procure “Rambo”, “Apocalypto” e etc. “Desbravadores” é uma das piores pedidas do ano.

Raphael PH Santos
@phsantos

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