Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Notas Sobre um Escândalo

As vencedoras do Oscar Judi Dench e Cate Blanchett unem-se neste drama carregado de tensão baseado no livro de Zöe Heller. “Notas Sobre um escândalo” é uma história sobre obsessões infantis que, levadas adiante, podem causar danos irreparáveis à vida dos envolvidos. Atuações explosivas e trilha sonora capaz de mexer com os sentimentos do espectador fazem desse filme uma obra-prima do cinema britânico.

Barbara Covett (Judi Dench) é uma amarga e solitária professora de História da rede pública de ensino em Londres. Todos os dias, ela escreve em seu diário cada comentário ácido, preconceituoso e carregado de veneno que lhe vem à cabeça sobre a vida de outrem. A chegada da nova professora de Artes causa rebuliço em toda a escola e ganha a atenção especial de Barbara. Sheba Hart (Cate Blanchett) é bonita, mas, apesar do esforço para fazer parte do grupo, não deixa de parecer deslocada. A veterana então se aproxima de Sheba nutrindo um desdém que esconde um interesse peculiar.

As duas tornam-se amigas e logo Bar, como é chamada por Sheba, conhece sua família e passa a freqüentar sua casa. Por acaso, ela descobre que a novata mantém um caso com um dos alunos mais jovens do segundo ano, Steven Connolly (Andrew Simpson). Usando de uma forma de chantagem para aproximá-la mais ainda de si, a velha a convence de afastar-se do garoto. Entretanto, a iminente possibilidade do escândalo tornar-se público afeta a vida de ambas de uma maneira que elas jamais imaginariam.

“Notas Sobre um Escândalo” é baseado no romance de Zöe Heller e foi adaptado para as telonas pelas mãos de Richard Eyre, de “Iris”. A história das duas mulheres que compartilham além da solidão desejos pulsantes, aproximando-se da obsessão, é densa e o diretor constrói um filme inquietante e perturbador. O clima de suspense gerado pela situação de que a qualquer momento os segredos dessas mulheres podem ser descobertos é um dos fatores mais marcantes da produção.

Grande parte da responsabilidade por essa inquietação pode ser atribuída, além do ritmo de montagem, à trilha sonora de Philip Glass. Presente na quase totalidade da projeção, ela carrega de tensão até as cenas que passariam sem muita atenção do espectador, criando uma situação incômoda, sufocante para quem assiste ao filme. Acelerando o ritmo das notas musicais quando Bar e Sheba se aproximam do objeto de seus desejos, ela induz os nossos corações na mesma levada. A força que a música adquire como auxiliar na transmissão de sentimentos dos personagens já era sentida em seu trabalho desenvolvido na película “As Horas”. A prova do talento de Glass é a utilização do silêncio em momentos precisos. Como bom compositor, ele conhece a importância que a ausência de sons tem.

Apesar das virtudes, como o modo com que a interdependência das duas professoras é construído servindo o medo e a insegurança de uma para alimentar e garantir a sobrevivência da outra, o roteiro peca em detalhes que podem passar despercebidos. A repentina aversão da família Hart à presença constante de Barbara e a inconstância do temperamento do esposo de Sheba, Richard (Bill Nighy), poderiam ter sido levados de forma mais gradual já que tempo para isso o filme dispunha. Os 92 minutos passam rápido diante de nossos olhos.

Richard Eyre guia a ação com competência. Perceba a forma com que a câmera se aproxima das protagonistas revelando a intenção de conhecê-las a fundo em seus anseios e receios, sendo raros os planos abertos. Uma vez ou outra, ela se posiciona em lugares estratégicos dando a impressão de que o público observa de longe, como quem nota sem desejar ser notado. Aos atores, o diretor também dedicou importante fatia de seu trabalho. Duas cenas em que a direção de atores foi fator fundamental são a chegada da mãe de Steven na casa dos Hart quando esses descobrem do caso extraconjugal de Sheba e o confronto entre ela e Bar mais próximo do fim.

Ainda nessa última cena em que a personagem de Blanchett descobre o diário mantido pela outra, as duas atrizes brilham e comprovam todo o seu talento. Todos os sentimentos contidos e demonstrados de forma mais discreta em todo o restante do filme explodem de uma só vez em duas das mais seguras e fortes atuações que o cinema já viu. O jovem Andrew Simpson também corresponde bem ao que lhe é pedido. Talvez a única falha no elenco seja mesmo Bill Nighy. O ator talvez precise aprender que algumas vezes menos é mais.

“Notas Sobre um Escândalo” poderia muito bem ter recebido o título de uma outra fita do mesmo ano. “Pecados Íntimos” ou mesmo no original “Little Children” guarda semelhanças a este longa. Protagonistas que agem através de impulsos sem medir conseqüências, comportando-se como crianças mimadas buscando realizar seus desejos. A imaturidade das personagens fica clara no hábito mantido por Barbara e na tentativa de retorno ao visual da juventude de Sheba. Atraente e perturbador, como os objetos de desejo dessas mulheres, “Notas” é uma obra-prima do cinema britânico e merece ser visto mais de uma vez.

Igor Vieira
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