Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de julho de 2007

Ratatouille

Este surpreendente novo longa de animação da Pixar reúne todos os ingredientes na dose certa, divertindo e emocionando espectadores de todas as idades e mostra que, com o tempero adequado, mesmo o mais batido dos pratos pode se tornar a mais saborosa das refeições.

Devo dizer que o meu prognóstico para “Ratatouille” não era lá muito animador. Parecia que ia ser mais uma história de superação pessoal, com as proverbiais lições de “seja você mesmo” e “não acredite nas aparências” que quase haviam destruído com o terceiro filme de um certo ogro. Devo dizer que, como um dos personagens do filme, engoli com gosto cada grama dessa previsão. Brad Bird, que já havia entregado o ótimo “Os Incríveis”, faz desse seu novo filme uma encantadora pequena obra-prima. Se utilizando de uma premissa batida e personagens aparentemente previsíveis, a fita surpreende graças ao desenrolar incrível de sua trama e das atuações mais vívidas e contagiantes que já pude presenciar em uma animação. O filme estava em desenvolvimento há algum tempo nos estúdios da Pixar, mesmo enquanto passava por uma fase de indecisão em relação a sua parceria com a Disney. Bom, ainda bem que isso não afetou em nada o desenvolvimento desta incrível película.

Contado em uma narração retrospectiva pelo ratinho Remy – após uma introdução muito parecida com a de “Os Incríveis” -, conhecemos o dia-a-dia maçante do adorável roedor. Nascido com um olfato extraordinário e um paladar refinado, tais dons se tornam uma maldição quando o seu pai, o chefe da colônia, o coloca para inspecionar cada alimento pegue por seus colegas ratos. Insatisfeito com a vida e segregado em sua sociedade por seus talentos, ele busca um significado para sua existência, tentando criar algo novo. Aprendendo inglês e estudando o livro de culinária escrito por seu ídolo, o Chef Auguste Gusteau, sua rotina acaba graças a um acidente que destrói a colônia onde vivia, separando-o da família. Indo parar no outrora grande restaurante de seu herói, a jornada do protagonista acaba se cruzando de maneira inesperada com a do jovem – e inepto – ajudante de cozinha Lingüini. A parceria entre o humano e o ratinho pode ser a salvação do Gusteau’s, se o ganancioso Chef Skinner e o arrogante crítico culinário Anton Egô deixarem. Além disso, nossos heróis ainda vão ter de lidar com as próprias limitações e sentimentos, além de relações familiares o românticas que podem aparecer inesperadamente no caminho dos dois. Bom, já deu pra perceber o que eu dizia quando me referia a “trama batida”, não? Porém, o filme tem seu grande diferencial justamente nisso, transformando estas tramas já tão desgastadas em algo novo. Isso acaba acontecendo até mesmo no decorrer do filme, onde Lingüini e Remy conseguem pegar pratos que os clientes já enjoaram em explosões gastronômicas incríveis.

Fora isso, o próprio desenvolvimento dos personagens se desenrola de forma imprevisível. Mesmo o final feliz, já tão esperado, não será bem aquele que o público tem em mente no início da projeção. Cada uma das figuras que vemos na tela possui um diferencial próprio em relação a prováveis similares que já tenhamos visto em outros filmes. Acredite, o pequeno roedor Remy encontra muitos paralelos com outro personagem francês visto nas telas brasileiras este ano, Jean-Baptiste Grenouile de “Perfume – A História de um Assassino”. Apesar de suas personalidades serem – obviamente – completamente diferente, os dois parisienses são párias de suas sociedades por conta de seus dons únicos (aliás, seus sentidos apurados são outra semelhança) e buscam em suas obras as realizações pessoais. Tal qual Grenouile, o trabalho de Remy é aproveitado por outro, nesse caso, o humano Lingüini. Porém, não ocorre uma relação de parasitismo, mas de simbiose, já que ambos conseguem uma certa vantagem nesse relacionamento, mesmo com o humano lucrando mais. Outros personagens interessantes povoam a produção, como o simpático irmão de Remy, Emile, e a atrevida cozinheira do Gusteaus’s, Colette. Aliás, os empregados do restaurante são um destaque a parte, tendo suas histórias contadas em uma ótima cena – só lhes digo para tomar cuidado com o polegar de um deles. Já os “vilões” da produção são absurdamente diferentes entre si. Enquanto Skinner é um dos poucos personagens totalmente rasos da película, o esnobe Egô possui mais camadas do que se podia imaginar após a primeira aparição. Muitos críticos de cinema vão se sentir um tanto quanto “alfinetados” à primeira vista por conta do personagem, mas logo vão entender que há mais nele do que aparenta.

A direção de Brad Bird é simplesmente impecável. O filme possui um colorido todo especial e ele arranca de cada fotograma da produção uma alegria especial. Notamos o carinho com que o filme fora feito. Cada enquadramento é medido, e possui uma razão de ser (alguns cinéfilos vão notar algumas referências feitas a ótimos filmes). Outra comparação com “Perfume” cabe aqui, já que a saída para mostrar os gostos dos alimentos nas telas encontrada por Bird é muito similar à encontrada por Tom Tykwer naquele filme para ilustrar os cheiros. Todas as viagens à cozinha do Gusteau’s são um deleite para os olhos, devendo a direção de arte digital do filme ser muito elogiada (e digna de alguns prêmios). A equipe responsável pela animação está de parabéns, já que o design e a movimentação dos personagens estão perfeitos. Fugindo de padrões exageradamente realistas na concepção dos desenhos, mas buscando uma perfeição quanto à movimentação, a Pixar parece ter aliado o útil ao agradável, já que um visual mais próximo ao real não cairia bem à produção. Elogiar a trilha sonora seria chover no molhado quando se trata de um filme da Pixar, mas devo dizer que Michael Giacchino, que já tinha feito um trabalho soberbo em “Os Incríveis”, realmente se superou aqui. Sua trilha nos remete à Paris clássica do cinema, sendo alegre, bela e romântica. As músicas instrumentais possuem alguns traços de jazz, principalmente na vertente do gênero conhecida como bebop, caracterizada por viradas rápidas. Vale a pena ficar no cinema durante os créditos para ouvi-las.

Adicionando o tempero certo a estórias batidas, este “Ratatouille” se mostra no ponto para um segundo prato, logo após o espectador devorar o primeiro. Simplesmente imperdível!

P.S.: Cheguem cedo à sessão para conferir o bacaníssima curta "Quase Abduzido" que é exibido antes do longa!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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