Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 19 de julho de 2007

Vamos Todos Dançar

O documentário de Marilyn Agrelo traz uma leitura da história que Pierre Dulaine traçou na vida americana: a inclusão através da dança nas escolas públicas.

Em 2006, Liz Friedlander lançaria uma versão romantizada sobre o início do projeto, que tem hoje vários professores de dança trabalhando em cerca de sessenta escolas americanas. Estrelada por Antônio Banderas, o longa distorcia um pouco da história, preservando de fato apenas o resultado final e a boa vontade do dançarino/bailarino profissional.

Tendo lutado para inserir as crianças em um contexto diferente do que seria normalmente esperado delas, introduzindo salsa, tango, swing, rumba, merengue e foxtrote, as crianças recebem uma nova visão de mundo, aberta a possibilidades das quais não haviam sonhado antes. As lições vão desde das danças até noções de respeito, cidadania, cumplicidade e à difícil tarefa de preservar o amor próprio nos dias de hoje. O documentário é emocionante e irradia esperança. É exatamente aquele tipo de filme em que você deve entrar sem pretensão ou grandes expectativas – é aí que ele surpreende, mostra a que veio.

Em termos de estética, é um filme simples, que tem seu peso justamente nos fatos que carrega consigo, passando uma história verídica contada pelos integrantes da mesma. Nada de planos bem elaborados ou grandes pretensões de imagens. A prioridade está em contar como um único professor conseguiu mudar a vida de tantas crianças – mesmo sendo na base da insistência, escutando sonoros “não’s” por onde passava.

Já Agrelo impressiona. Mesmo com a simplicidade, impressiona. Ela consegue trazer os espectadores para dentro de uma janela, onde até mesmo uma realidade tão diferente da nossa pode ser alcançada e passar a fazer parte de nós. É como se ao assistir, nós também passássemos por alguns minutos a fazer parte da militância daquele contexto. Essa capacidade vai além até mesmo da proposta do próprio cinema: aquela da ilusão, de fazer com que se entre na história e se esqueça o resto do mundo. Ela vai além e é interessante poder fazer parte desse processo. E o público, claro, respondeu. Não foi difícil perceber o entusiasmo com que as pessoas receberam esse documentário. Apesar da não lotação da sala, o burburinho foi, por alguns momentos, até demais. Mas era compreensível: as pessoas queriam participar.

Em um dos depoimentos mais emocionantes do filme, vemos a instrutora Allison Sheniak defender com unhas e dentes um projeto do qual tem total dedicação. Um comprometimento que não se vê nos dias de hoje, especialmente se ele não é remunerado. A sinceridade desses personagens reais faz com que o filme tenha peso. O esforço, a vontade e a disponibilidade garantem satisfação daqueles que assistem. Por mais clichê que pareça, a impressão que dá é a de que cada um pode sim fazer sua parte – ainda existe esperança de um mundo melhor.

É importante frisar que esse projeto de dança nas escolas (como uma maneira de inclusão) foi algo que começou com apenas um professor munido de muita força de vontade e que hoje tem vários adeptos pelo mundo. Essa disposição de ajudar sem segundas intenções (ou seja, sem dinheiro envolvido) mostra uma contrapartida na tendência egocentrista que é formada pelo mundo. Se por um lado várias pessoas se fecham com o intuito de proteger unicamente aquilo que é seu e garantir o próprio futuro, existem outras que conseguem enxergar que não existe um futuro com as diretrizes atualmente traçadas, porque é uma máquina falida. E essas pessoas querem mudar isso, querem incluir, socializar, harmonizar e tentar construir algo de mais sólido para o futuro, onde exista um equilíbrio de condições e oportunidades.

Beatriz Diogo
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