Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de junho de 2007

Serpentes a Bordo

Um thriller explorado através de um roteiro forçado e sem nada a oferecer. Assim defino em poucas palavras “Serpentes a Bordo”, já que trata-se de um filme mal feito e com raros momentos que possam ser considerados interessantes ou até mesmo de qualidade.

Definitivamente, não há como ver um filme como esse e não se perguntar: “Que porcaria de história é essa?”. Porque, convenhamos caro leitor: trata-se de uma situação inimaginável e que beira o ridículo. Vamos a “eletrizante” sinopse! Sean Jones é um jovem garoto que curte esportes radicais e coisas do gênero. Após uma volta de motocross, o cara acaba se deparando com um assassinato cometido brutalmente por um temido criminoso chamado Eddie Kim, que realiza o tal feito para livrar-se de um promotor que poderia ajudar a sentenciá-lo por suas ligações com diversos crimes que comete. No entanto, Kim acaba reparando a presença de Sean na cena do crime, fato que faz com que o rapaz seja a única testemunha capaz de ajudar a mandar o criminoso para a prisão perpétua. Assim, entra em cena o agente do FBI Neville Flynn, que convence o jovem a testemunhar contra o assassino. Para isso, o policial precisa proteger Sean contra os homens mandados por Kim, que desejam matá-lo e acabar com os perigos que ameaçam a liberdade do cara. Assim, Flynn, Sean e mais uma série de personagens embarcam em um vôo para Los Angeles. Lá, o jovem rapaz poderá ser a testemunha necessária para incriminar Eddie Kim. No entanto, o tal criminoso já armou um diabólico plano: colocar centenas de serpentes (!) no avião que a dupla estiver para poder fazer com que um suposto acidente mate a testemunha. As serpentes ficam extremamente “temperamentais” quando são um estimuladas por uma substância capaz de aguçar seus instintos. Assim, uma alucinante trama se inicia dentro do avião mostrando a luta pela sobrevivência dos passageiros liderados por Flynn contra as venenosas e temidas cobras.

Não poderia começar meus comentários senão lançando uma questão fundamental sobre o roteiro. Não seria mais simples uma bomba ou qualquer outra artimanha para sabotar o avião e ocasionar um suposto acidente? De todas as maneiras que tive oportunidade de conferir na história do cinema para se buscar originalidade ou inovação, essa foi de longe uma das piores. É ridículo! Um cruel e sanguinário assassino quer “apagar” uma testemunha e, para isso, procura um “contrabandista” para obter serpentes ilegais e causar uma pane no avião, fazendo com que este sofra um acidente para que, assim, a tal testemunha morra? Um péssimo pretexto para se colocar as tais cobras no filme! E olha que esse é só o começo! O desenvolvimento da trama, então, vai de mal a pior. A descoberta das serpentes durante o vôo, os ataques feitos por elas aos passageiros, a “fuga” dos sobreviventes dentro do próprio avião para não serem mortos, enfim, tudo é uma grande bobagem que rasteja para chegar a um desfecho que mais lembra filmes trash onde todos “viveram felizes para sempre”. O filme usa teoricamente o que seria a mocinha e o jovem garoto que consegue pegar a garota bonita. Sem comentários para tudo isso! Acho que estaria criticando muito menos se no final o tal jovem morresse. Pelo menos esse seria um final original e não tão ruim. No entanto, nem isso a equipe de roteiristas teve capacidade para fazer.

Para encerrar a questão, gostaria que alguém fizesse o favor de me esclarecer de onde teria surgido aquela última serpente que atacou Sean quando ele descia do avião, já que todas teriam sido teoricamente lançadas após Flynn atirar na janela quando o avião ainda estava no céu. Ah, e não vamos esquecer de um pequeno aspecto. Não sei se todos estão familiarizados com a situação descrita no filme “Em Busca de Confusão” (também muito trash e clássico da “Sessão da Tarde”), onde o garoto Cosmo precisa pousar o avião para salvar seus amigos. Isso te lembra algo? Um viciado em Playstation consegue evitar uma tragédia em “Serpentes a Bordo”! Com tanta coisa para se usar como base, foram pegar justo isso? Definitivamente, um roteiro patético que, para não ser totalmente negativo, consegue em algumas poucas cenas se prender em momentos de apreensão e adrenalina que, neste quesito, até conseguem agradar. Somente isso!

David R. Ellis na direção consegue sair-se um pouco melhor do que a péssima equipe de roteiristas. O cineasta consegue por algumas cenas (as melhores do filme) desenvolver um bom trabalho para ser capaz de proporcionar momentos de tensão e desespero. Pelo menos, não podemos dizer que o cara não tentou. Mesmo aqueles que não gostaram do filme (como eu) ou não sentiram-se agoniados em determinados momentos devem consentir que Ellis reuniu suas forças para tornar o filme o mais aterrorizante possível. Neste sentido, não posso dizer que foi sensacional, mas também seria exagero apenas fazer críticas e não ver o lado bom dos fatos. Principalmente nas seqüências envolvendo os ataques das serpentes e o desespero dos passageiros, o diretor conseguiu transparecer competência e controle das cenas e, algumas vezes, seria mentira dizer que não pensei: “Rapaz, imagina se eu estivesse nessa situação”. Claro que, como já disse, é algo inimaginável, mas saía cobra de tudo quanto era lugar e não havia para onde fugir! Então, Ellis partiu deste princípio e tratou de preparar bem o elenco para aguçar as sensações. Conseguiu, mesmo que de maneira sutil para alguns, atingir o público. Também não serei positivo por completo e deixar de lado alguns fatores que, para mim, não foram tão satisfatórios. No entanto, tais aspectos podem ser atribuídos a baixa qualidade da equipe técnica em geral, como a fraca qualidade de iluminação, a montagem um tanto quanto despreparada, a criação digital das cobras e por aí vai. Enfim, alguns detalhes fazem com que equipe técnica e o diretor não obtenham um resultado merecedor de elogios por completo.

O elenco não me surpreendeu. Honestamente, vi o que já esperava e, se há algo realmente digno de elogios e aplausos, pra variar um pouco, só poderia ser o mestre Samuel L. Jackson. Ao seu melhor estilo, o ator novamente mostra porquê é considerado há muitos anos um dos melhores atores da indústria cinematográfica. Sinceramente, não considero esta uma das melhores e mais marcantes atuações de Jackson. No entanto, o destaque não poderia ser outro senão ele, que consegue salvar grande parte das cenas e das atuações do restante do elenco. Mesmo assim, os tais atores que compartilham (ou não, no caso de Byron Lawson) as cenas com o astro, não se equiparam a sua qualidade. O próprio Lawson (como Eddie Kim), Julianna Margulies (como Claire Miller) e Bobby Cannavale (como Hank Harris) lideram uma equipe de “coadjuvantes” (sendo assim chamados já que Jackson é realmente o centro das atenções) que não agrada tanto como poderiam. Em alguns momentos, é possível ver esforço e qualidade, onde é evidente que o elenco consegue incorporar bem suas respectivas personagens. Além de conseguirem transmitir características marcantes e típicas das personalidades dos tais papéis, os atores conseguem encaixar-se bem dentro da situação proposta pelo longa. Mas também não é nada que possa ser chamado de “excepcional” e, ainda assim, os deslizes em algumas cenas são evidentes, principalmente de Nathan Phillips como Sean Jones, que foi o que mais deixou a desejar.

Para completar, o público pode conferir uma boa trilha sonora capaz de ressaltar a tensão e os sentimentos angustiantes transmitidos pela história. Mesmo não gostando da tal trama desenvolvida, o filme conseguiu encontrar na sonoplastia em geral e na musicalidade um fortíssimo aliado para conseguir obter um bom resultado em se tratando das emoções que deveriam atingir ao público. Nesse aspecto, “Serpentes a Bordo” agrada com eloqüência e sutileza, fazendo com que uma certa simplicidade enalteça verdadeiras cenas de suspense e sejam assim reforçadas de maneira muito competente.

Enfim, infelizmente, o fatores positivos do longa não conseguem superar os negativos, que predominam e conseguem diminuir ainda mais a sua pequena qualidade. Não digo que detestei o filme por completo. Lendo esta crítica, você pode reparar que, realmente, muitos detalhes me deixaram um tanto quanto revoltado (principalmente quando o assunto foi o roteiro pífio). No entanto, há pontos que podem ser vistos com bons olhos pelo espectador. Mesmo tentando buscar ao máximo ouvir os tais fatores positivos ao invés de me apegar principalmente aos que deixaram muito a desejar, não obtive sucesso, finalizando com uma avaliação de três estrelas para não dizer que nem tudo pode ser considerado um total fracasso no decepcionante longa.

Ícaro Ripari
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