Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 07 de dezembro de 2006

Café da Manhã em Plutão

Com uma excelente atuação de Cillian Murphy no papel principal, o diretor e roteirista Neil Jordan nos presenteia com essa obra – provavelmente a melhor de sua carreira.

Baseado no livro homônimo de Patrick McCabe, o filme começa na Irlanda e narra a história de Patrick, que ainda recém-nascido é abandonado pela mãe na porta da casa de um padre, vivido por Liam Neeson. Criado dentro de uma família essencialmente tradicional, ele entra em conflito com os outros membros, e assim vive até o dia em que se cansa das discussões diárias e determina-se a procurar sua mãe biológica, da qual só sabe que partiu para Londres e foi "engolida pela cidade", como ele mesmo costuma dizer.

Sua enorme auto-estima permite a superação de diversas tentativas de marginalização por uma sociedade que prezava mais o que seria demonstrado por fora do que o que realmente acontecia por dentro do ser humano. A questão moral em representar alguém que facilmente seria aceito numa sociedade bate de frente com a visão de que de nada adiantaria alguém fingir ser o que não é simplesmente para que todos pudessem sentir-se confortáveis. O embate, inclusive, se dá justamente aí: Patrick, ao contrário do que acontece muito, recusa-se a moldar-se para se encaixar nessa sociedade. Não por querer ser polêmico ou fazer birra com os outros, mas porque é assim que ele é, e não seria justo e nem certo mudar. Daí em diante (visto que as pessoas simplesmente não conseguem aceita-lo), vemos na sua maneira de lidar com elas uma leve ironia, uma transformação de palavras e gestos em algo que possa fazer rir ao invés de depreciar.Brinca-se com a hipocrisia com que essas pequenas cidades costumam conviver, fazendo das rejeições e implicâncias locais motivos para incentivo à sua criatividade e imaginação. Sabe aquele ditado que diz que é melhor rir para não chorar? Em alguns momentos, é essa a sensação que se tem. Patrick possui um universo próprio em sua inventiva mente, e contrariando o momento político da época, recusa-se a levar as coisas tão a sério quanto todos, criando um mundo particular e essencialmente divertido – até mesmo quando as coisas parecem desandar de vez.

Tudo é muito bem conduzido, nos fazendo entrar de cabeça nessa história. Vemos coisas absurdas (como os pássaros que acompanham os fatos e conversam sobre eles) e compramos cada uma delas, aplaudindo.

A montagem ágil e descolada do filme, combinada a todos os outros elementos que merecem citação (tais como figurino, cenários e locações) torna o filme ainda mais gostoso de ser assistido. As duas horas de projeção, mesmo parecendo longas (por conta da quantidade de acontecimentos que acompanhamos), não são de maneira alguma cansativas.

A linha entre o bom e o ridículo é muito tênue, disso todos sabemos. Mas conseguir um bom resultado para situações inusitadas é algo realmente difícil – e isso Jordan sabe fazer muito bem. Ele é verdadeiro e por isso suas histórias têm credibilidade. Ao contar o drama de Patrick "Kitten" Brady (como o personagem gosta de ser chamado), Neil Jordan prova que mesmo quando se tem uma história densa nas mãos, pode-se conta-la com leveza – o que acaba provocando no público carinho por Kitten, que passa por situações escabrosas e absurdas sem se deixar abater ou amedrontar.

Aliás, é essencial falar no importantíssimo papel de Cillian Murphy no desenvolvimento da trama, na sua capacidade de reconhecimento e construção de um personagem que requer tanto de um ator. A escolha de Murphy é obviamente acertadíssima, tornando-se impossível imaginar o papel interpretado por qualquer outro ator. Aqui também vemos um trabalho sutil, não ridicularizando o personagem, e nem exagerando em trejeitos que poderiam ter virado a mesa e estragado o longa. Ele acerta a mão e prova que pode desempenhar diferentes papeis com reconhecida maestria.

Os papéis secundários, apesar de pouco aprofundamento são de extrema importância, pois nos leva a entender um pouco mais sobre o protagonista da película, ficando aqui o reconhecimento pelos trabalhos realizados por Liam Neeson, Eva Birthistle, Ruth McCabe, Charlene McKenna, Seamus Reilly e Laurence Kinlan.

A trilha sonora complementa os momentos, entrando nas horas certas e trazendo um rico material de um momento histórico que marcou a Irlanda da década de 70 – período em que o filme acontece – alternando baladas divertidas da Londres festeira com o problema político entre Inglaterra e Irlanda.

Um filme esteticamente bonito de se ver, prazeroso e essencial de se assistir.

Beatriz Diogo
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