Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 02 de dezembro de 2006

Labirinto do Fauno, O

Mesclando elementos fantásticos com a realidade de maneira esplêndida, "O Labirinto do Fauno" nos transporta a um mundo sombrio e inabitado antes. Conduzida pelo talentoso Guillermo Del Toro, a trama consegue envolver até o espectador mais cético.

A história se passa na época da ascensão da ditadura comandada por Ernesto Franco. Logo de início, somos apresentados a Ofélia (Ivana Baquero), uma jovem que se vê obrigada a mudar-se com a sua mãe, Carmen (Ariadna Gil), para uma região rural ao norte da Espanha. Lá, as duas passaram a morar com o impiedoso Capitão Vidal (Sergi López), visto que Carmen, após a morte de seu marido e pai de Ofélia, procurando manter-se segura em meio a um país repleto de caos, casou-se com o Capitão. Próximo a casa, encontram-se rebeldes refugiados em lugares estratégicos os quais Vidal tentará com todas suas forças combater. Paralelamente a essa batalha real, Ofélia costuma habitar o mundo da fantasia, onde encontra faunos, fadas e outras criaturas bastante peculiares que clamam que ela é, na realidade, a princesa do Mundo Subterrâneo.

Apenas pela sinopse, somos levados a crer que nos depararemos com uma história repleta de fantasia, todavia, todos sabemos que, no cinema, magia como pano de fundo, se mal explorada, acaba tornando-se um prato cheio para fazer com que um filme transforme-se em uma produção mediana. E felizmente isso não ocorre com "O Labirinto do Fauno". O diretor e roteirista Guillermo del Toro, responsável por obras como "Hellboy" e "Blade 2", consegue dotar o longa de um aspecto convincente, mesmo que, em grande parte, envolva magia. Acredito que até os mais céticos se sentirão envolvidos com o esplendor da trama. Seja abordando os aspectos mágicos ou reais, o filme em toda a sua dimensão mostra-se um projeto maduro, realmente pensado para tocar o seu espectador, repleto de passagens marcantes e belas.

Del Toro consegue estabelecer de maneira convincente a ligação entre o mundo da magia e o mundo real, sabendo, em geral, dosar bem as características de ambos. No entanto, algo que me deixou um pouco insatisfeita foi o fato de o cenário mágico não contar com tantas cenas assim. Não que esse fator tenha tornado o filme menos interessante de ser assistido, mas creio que, se houvesse um apelo maior do que o estabelecido durante a projeção ao âmbito fantasioso, a produção seria mais bela. Até porque todos sabemos que o mundo da fantasia sempre possui elementos curiosos, facilitando, assim, um envolvimento maior do espectador com a trama.

Um quesito que realmente merece aplausos de pé é a fotografia. Com um cenário meio sombrio em algumas partes, há uma ajuda marcante para o mistério da história. Incrível como o filme por si só consegue mexer com a imaginação do público, fazendo com que praticamente nada do mundo mágico (que, na realidade, sabemos que não é real) não parecesse plausível. O espectador se vê conquistado pelas criaturas como fadas e faunos e demonstra estar disposto a também fazer parte daquela fantasia junto com Ofélia. A menina, por sinal, bastante destemida, nos leva a lugares singelos e nos transporta a fantasias que nos lembram o nosso remoto tempo de criança, quando ainda acreditávamos que conto de fadas existiam e fazíamos de tudo para continuar com aquela imaginação aflorada.

Embora não se excedam, os efeitos visuais usados para compor certos aspectos são belíssimos. "O Labirinto do Fauno" é, definitivamente, uma prova viva de que um filme, que depende intrinsecamente do mundo da fantasia, pode abordar esse âmbito sem mostrar-se repetitivo e com poucos recursos disponíveis. O filme, que teve orçamento de apenas 5 milhões de dólares, não fica atrás de outras produções do estilo. Consegue trazer imagens marcantes que permaneceram em nossa mente durante bastante tempo, como a parte em que uma flor se abre e a "descoberta" das fadas.

Os atores são outras figuras importantes para o desenvolvimento da história, principalmente Ivana Baquero, a jovem que interpreta Ofélia. Com apenas doze anos, Ivana demonstrou possuir mais profundidade do que muitas atrizes mais experientes. Apenas o olhar da menina já nos remete a um quê de misterioso e melancólico. Praticamente todas as cenas do filme contam com a presença de Baquero, que não decepcionou em nenhum momento. Ariadna Gil, responsável por viver a personagem Carmen, mãe da protagonista, é outra que merece destaque. Ela captou a essência do seu papel, trazendo suas dores, aparentemente esquecidas, visto que realmente tentou, após a morte do pai de Ofélia, continuar a vida com outro homem, mesmo que não chegasse a amá-lo. Sergi López, o Capitão Vidal, é outro que, de maneira forte e certeira, dá uma ênfase ao seu personagem, ajudando este a ser repudiado pelos espectadores.

Poucos fatos talvez não tenham deixado "O Labirinto do Fauno" mais interessante, entre eles, definitivamente, o mais marcante foi a sua duração. Não que praticamente duas horas representem um prolongamento grande da história, porém, devido ao teor da trama e à maneira como ela caminha, o desenvolvimento, em geral, aparentou possuir bastante tempo. Todavia, este fator é facilmente esquecido tendo em vista a grandiosidade da produção. Conseguindo mesclar fantasia e realidade e ainda trazendo uma atmosfera misteriosa e sombria, este filme demonstra ser forte e bem trabalhado. Se justiça for feita, provavelmente esta produção estará concorrendo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2007. E vamos torcer para que outros projetos esplendorosos como esse invadam cada vez mais as nossas salas de cinema.

Andreisa Caminha
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