Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 02 de dezembro de 2006

Um Bom Ano

Com "Um Bom Ano", Ridley Scott limpa sua má fase que vinha assolando-o desde o limitadíssimo "Cruzada" (de 2005), além de mostrar um Russell Crowe com mais talento ainda e um roteiro simples, mas envolvente.

Quem não tem lembranças de infância? Uma casa da avó, ou de algum tio, que você armava traquinagens e enriquecia seu arcabouço de memórias boas que teve durante a vida. Todos nós, pelo menos teoricamente, temos lembranças que nos põem em xeque com a velha saudade. O longa "Um Bom Ano", que tem a direção de Ridley Scott, trabalha justamente com esse sentimento para com o personagem Max Skinner (Russell Crowe, de "Uma Mente Brilhante", "Gladiador").

O personagem é submetido tanto à saudade de estar em um local que achava (ou acha) prazeroso, quanto à saudade de estar com pessoas que o fazem bem, já que, ao longo do seu crescimento, Skinner esqueceu de curtir esses prazeres para se dedicar ao de só ganhar dinheiro. Toda sua vida girava em torno do trabalho. Até que recebe uma nota de falecimento de seu querido tio Henry (Albert Finney, de "Doze Homens e Outro Segredo", "Traffic"). Com essa nota, recebe também a notícia que, por ser o parente mais próximo e o tio não ter deixado testamento, é quem vai receber toda a herança.

Ao receber essa herança e como seus instintos são baseados nos investimentos, Max não hesita em visitar a vinícola (ganha nessa herança) a fim de prepará-la para a venda. Entretanto, o local é onde Max curtia seus melhores momentos da vida, onde a única preocupação era o horário de acordar no outro dia para se divertir. Aliados a isso, ainda há a confiança e o carinho que tinha por seu tio, onde os bem postados flashbacks do filme vão apresentando que muito do que Max é e do que foi ensinado por ele sempre de uma forma bem humorada. É tanto que Max herda esse bom humor do tio, mas não conseguia colocar em prática em um meio que lhe caísse bem. A trama do filme fica em "se", e "como", ele venderá o local, além de alguns outros fatores irem aparecendo para enriquecer o roteiro.

Tudo no longa é encaminhado com um carinho incrível, onde Ridley Scott demonstra realmente a sua fama de bom diretor. Ora, pense vir de um marco do cinema que é o "Blade Runner – O Caçador de Andróides", para o épico "Gladiador", aí segue para o longa de guerra intensa "Falcão Negro em Perigo", dentre outros, até chegar em um aparente drama, mas que traz como pano de fundo a comédia e o romance, mesmo que o segundo esteja muito intercalado. Nos três estilos de filme, Ridley consegue mostrar características particulares para cada um. Um trejeito de dirigir não é observado em outro, já que remete a outro gênero.

A categoria do diretor é impecável quando ele sai das batidas locações americanas para dar forma a um filme na França e Inglaterra, sendo a maior parte no primeiro país. Tudo já começa sendo acertado com uma locação muito bonita nesse país que se faz bonito por si só. Mas aí ainda tem um pequeno problema. Poderia, de certa forma, esse local ter sido mais bem explorado, visto que os personagens ficam transitando entre apenas dois cenários (no máximo três) diferentes. Se outros cenários fossem mostrados, com certeza o charme do filme ficaria impecável.

De certa forma, o filme cria um carisma interessantíssimo tanto pelo roteiro, quanto pelos personagens e pela trilha sonora. O primeiro, como já dito, nos atiça lembranças, o que torna impossível não entrarmos no clima. Quanto aos personagens, todos são bem postados e só um ou outro não agrada. Eles trazem o tom de comédia, ao mesmo tempo em que paira a seriedade na trama. Sem falar que sotaques britânicos cativam muito. A trilha sonora é disposta de uma maneira que pode até passar despercebida, mas surge nos momentos essenciais do filme. Vale até escutá-la sem o filme para ouvir algumas músicas famosas cantadas em francês.

Nessa parte dos personagens não teria como não ressaltar o trabalho de Russell Crowe. Já o vimos correndo, gritando, enlouquecendo, mas ele ainda tem "muito pano para fazer diversas mangas". Quase todos sabemos que Russell é famoso por ser um cara chato, meio boçal e etc, mas ele consegue tirar toda essa sua famosa antipatia em qualquer personagem que encarna. Além de criar trejeitos particulares interessantíssimos para cada um. O pequenino Freddie Highmore ("A Fábrica de Chocolates", "Em Busca da Terra do Nunca") também demonstrou talento. No caso, ele faz o personagem de Crowe quando pequeno, o que o faz aparecer em muitos flashbacks e pontos chave do filme. Sabe esses trejeitos particulares que falei? O garoto pegou quase todos. Tirando Albert Finney que, apesar do pouco destaque, está muito bem como o Tio Henry, os outros atores apenas se postam ao elenco à frente de Russell.

Talvez pelo tamanho do filme e por alguns pequeninos clichês, ele não agrade os mais chatos. Na verdade, o longa talvez não seja a melhor opção para ver no cinema com um grupo de amigos, mas sim com a(o) namorada(o). Ele surte até melhor para ser assistido em casa, com um DVD e seu conhecido conforto.

O intrigante do filme é que, girando sempre em torno do vinho, ele deixa os adeptos da bebida com uma vontade insaciável de sair do cinema e tomar uma boa taça. Por isso, vá preparado se for assisti-lo em uma sala de cinema, e melhor ainda no caso de assisti-lo em casa quando o DVD for lançado.

Raphael PH Santos
@phsantos

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