Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de novembro de 2006

Fonte da Vida

Darren Aronofsky volta aos cinemas depois de uma pausa de seis anos, quando gravou o excelente "Réquiem para um Sonho". O diretor mostra que não perdeu o tato e, mesmo com uma história de amor com elementos um tanto já gastos pelo tempo, consegue tirar incríveis atuações e um espetáculo de imagens, mas que infelizmente não chegará a ser do agrado de muitos.

O amor superando todos os obstáculos, o sentimento de pertencer, de estar ligado à outra alma mesmo através dos tempos, é o que Tom Creo e Izzi Creo contam neste filme. Os dois são casados. Ele, um médico dedicado a descoberta da cura do câncer, acaba se vendo dentro de um pesadelo quando descobre que sua mulher, uma escritora de sucesso, Izzi, sofre da doença da qual ele deseja encontrar a cura. Ela, que já aceitou seu destino, pede para que ele leia o seu último livro, e que termine a história por ela. Através dos personagens que habitam a Espanha em meados de 1500, ele começa a ver a ligação entre seu amor e sua esposa, e a missão que terá mesmo após sua morte.

Aronofsky consegue ser uma enciclopédia de símbolos e imagens icônicas que se desenvolvem com uma facilidade incrível ao decorrer do filme. Mesmo estando ligado intimamente com a cultura pop mundial, ao usar de atores bastante conhecidos, ele consegue criar uma história de amor que vence os obstáculos do tempo, e se apropria de conceitos das religiões orientais, fazendo uma ligação e um paralelo entre vida e morte, e o destino que se segue muito além de nossas vidas. Ele cria imagens espetaculares, com um orçamento razoavelmente baixo, e faz um misto entre o cinema e o teatro, onde até mesmo os movimentos mais simples de Hugh Jackman, através dos tempos, parecem mudar, como o meio suspeito em 1500, para uma pessoa "normal" em 2000, para uma pessoa que parece ter atingido o equilíbrio entre ying-yang, através das artes milenares chinesas no século XXVI.

O roteiro criado por Darren desde os primeiros traços em um guardanapo em 1999 passou por diversos tratamentos até a versão final. A busca envolveu pesquisas em diversas religiões e em todas elas havia sempre a menção de que a Fonte da juventude era algo orgânico. A partir daí, no roteiro, há a presença das três formas de fonte da juventude, embora todas as três estejam ligadas a uma árvore. A busca então parte para algo do espírito, na tentativa de manter sempre sua amada presente, seja para defender a Rainha de seus inimigos, salvar sua mulher da morte, ou elevar o espírito encarnado na árvore até xibalba, uma estrela nebulosa. Mesmo sendo três personagens e histórias diferentes, elas estão ligadas por se tratar de um mesmo objetivo, uma mesma crença, uma mesma missão que deverá ser percorrida e por isso as três histórias se entrelaçam, de forma perfeita, embora de começo seja propositalmente confusa.

E o que falar do elenco? Esqueça Wolverine. Hugh Jackman e seu talento era completamente desconhecido para nós, brasileiros, mesmo tendo já recebido um prêmio Tony (o que seria equivalente no teatro ao Oscar do cinema) como melhor ator. E ele simplesmente está perfeito no papel, que sem dúvidas é um dos mais complicados da carreira do ator. Infelizmente ele só se apaga ao atuar ao lado de Rachel Weisz, que se mostra novamente uma forte candidata ao Oscar, e, sinceramente, se mostrou muito melhor do que o papel que a garantiu o Oscar de 2006, em "O Jardineiro Fiel". Ela simplesmente dá um banho ao assumir o papel da esposa com câncer na história que se passa no século XXI. Você sai do cinema simplesmente esquecendo todo o resto do elenco, mesmo tendo a excelente Ellen Burstyn, que concorreu há alguns anos ao Oscar também.

Outro fator importante durante todo o filme, que se passa em um piscar de olhos, é a trilha sonora. Clint Mansell, colaborador de Darren no seu último trabalho, "Réquiem para um Sonho", também é um forte candidato ao Oscar desse ano, como o foi na época de Réquiem. A trilha está simplesmente perfeita, e se torna um personagem principal ao lado de Jackman e Weisz. Inclusive é incrível a sensibilidade da música dos créditos do filme, quando após toda a exibição, a música complementa o momento que você precisa passar sentado na sala de cinema ainda aproveitando e assimilando as informações do filme.

Infelizmente, mesmo com todos os elementos extraordinários do filme, e assim como "Réquiem Para um Sonho", "A Fonte da Vida" não é um filme para qualquer um, mesmo tentando se apropriar de elementos que o transforme mais próximo de uma cultura de massa, ainda assim é considerada uma obra de arte que, muitos por não entenderem, irão simplesmente taxar o filme de péssimo. Mas ainda há esperanças de que um dia as pessoas consigam compreender na sua totalidade obras como essa, mesmo gostando ainda projetos como "O Pacto".

Leonardo Heffer
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