Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de novembro de 2006

Happy Feet: O Pingüim

Mais do que uma animação qualquer, "Happy Feet: O Pingüim" é a demonstração de que se pode construir uma história decente e compor uma trilha sonora particularmente impecável, junto a personagens carismáticos e inesquecíveis.

A história aborda a vida dos pingüins-imperadores, que vivem procurando uma canção para que, dessa forma, possam ser respeitados e também conquistarem a atenção de uma fêmea, e assim, perpetuarem a espécie. Cada pingüim já nasce com sua canção do coração, mas um em especial nasceu diferente. Mano (Mumble) é um péssimo cantor e já nasceu com um gingado diferente. Desde pequeno sapateando a cada passo que dava, espantou a todos, inclusive aos seus pais. Sofrendo com os maus olhares dos companheiros e vivendo com sua paixão por Glória, que aparentemente não vingaria, já que ele não sabia cantar, Mano se afasta de seu bando e acaba conhecendo outra espécie de pingüins, os Adelie. Junto com seus novos amigos, ele vai adquirindo respeito e sendo aceito do jeito que é, sem nunca abandonar os passos de dança que conhece. Os amigos começam a se aventurar meio a morsas e leões marinhos até descobrir o grande segredo do desaparecimento dos peixes que serviam de alimento para sua comunidade e começam a investigar o fato, mas sem perder o gingado.

"Happy Feet": O Pingüim" é a milésima animação que aparece este ano. Sempre humanizando animais ou objetos quaisquer (como em "Carros"), a indústria de animação parecia estar cada vez mais sem imaginação para construir boas histórias que não caiam naquele mesmo divertimento bobo que muitas das produções do gênero trouxeram ultimamente. Felizmente, foi necessário chegar o fim de 2006 para conferirmos, sem dúvida, a melhor animação em termos gerais. Não estou dizendo que "Happy Feet" foge de todos os estereótipos das outras animações como os excelentes "Carros" e "Os Sem-Floresta", mas se diferencia por investir no musical e em uma comédia leve para divertir e passar ensinamentos ao público, seja criança, adolescente ou adulto. Muitos consideram que animações são feitas geralmente para o público infantil (e a maioria até é), mas outras várias acabam atingindo também os acompanhantes das crianças, enquanto outras se limitam ao seu público alvo e distanciam os pais e adolescentes, como é o caso do razoável "George, O Curioso". Particularmente, acredito que animações devem agradar tanto do mais novo ao mais velho, já que ambos estão pagando o ingresso. E isso "Happy Feet" faz com êxito. Sem usar de escrachos ou idiotices para arrancar sorrisos e passar muito entretenimento, sem esquecer o lado educativo, o longa de George Miller usa a sensibilidade para fazer tudo funcionar da forma mais natural e mais interessante possível.

Assinando tanto a direção quanto o roteiro, Miller constrói uma das melhores fábulas dos últimos tempos. Por mais que já tenha tido experiência com animais em "Babe", Miller mostrou inteira competência para escolher e rodar a animação nos melhores planos que tinha. Investindo em planos abertos que mostram a peculiaridade do cenário, em muitos momentos a fotografia gráfica demonstra-se especialmente bela, dando um show a parte. Tanto os movimentos individuais quanto grupais dos personagens são bem marcados e, por mais mecânicos que pareçam algumas vezes, não prejudicam a película. Outro ponto forte do trabalho de Miller foi construir muitos personagens cativantes. Diferente de outras animações onde nem todos são tão adorados, o diretor-roteirista investe na beleza dos pingüins e na personalidade de cada um para aproximar o carisma do espectador. Sem falar que o fato de ser um musical eleva isso em cem porcento, pois é impagável ver aqueles bichinhos soltando a voz e mexendo as cadeiras. O protagonista cativa à primeira vista. Desde sempre dando passos esquisitos de sapateado, não se ridiculariza e arranca boas risadas da platéia. Os pingüins mexicanos são outros que rendem ótimos momentos. E tudo isso ajudado por um roteiro educativo e dinâmico, que disfarça bem possíveis clichês e marca por fazer surgir várias lições de moral importantes para o público em geral, como a questão do preconceito sofrido por Mumble por ele ser dançarino e não cantor, como os outros. O símbolo social com suas vertentes bem desenvolvidas acabam nos ensinando mais do que podíamos esperar, sem deixar de nos abrilhantar com momentos únicos de música e dança. Outra boa saída de Miller foi usar humanos para concluir a história, o que mudou a atmosfera da película, mas não saiu de linha, sendo perfeitamente pensado para causar um impacto maior entre os pingüins e os "alienígenas" humanos.

A dublagem nacional também ficou competente. Tirando a narração tanto quanto artificial de Sidney Magal, vale ressaltar que Daniel de Oliveira se encaixou perfeitamente com o protagonista, sabendo dar a entonação correta nos momentos irregulares da vida de Mumble. Outro fator responsável pelo brilhantismo da produção foi não terem inventado de traduzir a trilha sonora completa para o português, o que é bastante comum em animações. Mantendo a originalidade da película e nos dando a oportunidade de conferir, por exemplo, Robin Williams cantando "My Way" e a belíssima performance de Brittany Murphy ao emprestar seu gogó para Glória, que tira o espectador da cadeira e dá movimentos às suas pernas. É impossível sair da sala sem uma música ter ficado martelando na sua cabeça ou sem sentir vontade de dançar. O ritmo da trilha é tão contagiante e não peca em nenhum momento. E isso acontece tanto na trilha cantada, quanto na instrumental, que dá uma intensidade maior ao ritmo da trama. A diversão sonora não sofre desníveis e nos presenteia também com mais um show de Nicole Kidman, que se revelou cantando em "Moulin Rouge – Amor em Vermelho", juntamente com Hugh Jackman, o nosso querido Wolverine, que solta a voz à la Elvis e mostra um potencial vocal ímpar. Como se não bastasse uma boa história, uma boa direção, ótimos personagens, ainda traz essa trilha sonora que particularmente me excitou de uma forma inexplicável.

Mesmo com tais qualidades, é claro que ainda sofre em alguns termos técnicos em relação à harmonia cenário e personagens, muitas vezes se resumindo a um simples plano azul sem justificativa, mas tais momentos são recompensados com outras tomadas abertas que Miller capta que mostram a imensidão gelada onde moram, mesmo que acabem saindo de foco várias vezes, o que me fez questionar se aquilo era erro de projeção da sala de cinema ou se realmente tinha ficado daquele jeito. A edição também sofreu uma leve queda nos momentos finais, se perdendo um pouco do objetivo da história, mas os danos são quase inexistentes. Realmente, qualquer que fosse a imperfeição do filme, confesso que eu seria um dos mais compreensivos, pois as qualidades se exaltam desde o mais simples instante ao ápice da história. Sem titubear, "Happy Feet" é um presente que os amantes do cinema recebem neste fim de ano e mostra que é possível, sim, construir um enredo educativo, divertido e fazer uso das tecnologias gráficas para proporcionar momentos belíssimos junto a estas criaturas tão amáveis, expressivas e cativantes, donos de belas vozes e coreografias contagiantes. Talvez não tenha sido uma surpresa tal sucesso, mas seus méritos são inegáveis. Mais uma opção imperdível para o titio, a titia, a mamãe, o papai, o filhinho, o cachorro, o papagaio…

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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