Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 12 de novembro de 2006

Amigas com Dinheiro

"Amigas Com Dinheiro" aborda o mundo feminino de uma maneira próxima à realidade, trazendo situações típicas de relacionamentos. É um projeto aparentemente leve e despretensioso, mas que, aos poucos, revela para quê veio.

O universo feminino é intensamente focado em produções cinematográficas, não sendo mais novidade para ninguém aqueles filmes cujas protagonistas são, basicamente, mulheres. A grande diferença – e que pode ser primordial para um resultado final favorável – é a maneira como esse mundo predominantemente feminino é abordado. Alguns filmes que contam com essa abordagem são feitos para chocar os espectadores, uns funcionam apenas como uma diversão descompromissada, enquanto outros são como "Amigas Com Dinheiro", responsáveis por tratarem dos assuntos pertinentes às relações de uma maneira leve e transparente. O diferencial deste longa reside exatamente no fato de trazer um retrato, na maioria das vezes, verdadeiro de boa parte das relações.

A trama gira em torno de quatro amigas e as situações vivenciadas por elas. Com exceção de uma, todas as outras são casadas, com filhos e sem nenhum problema financeiro aparente. Olivia (Jennifer Aniston) é a única mais deslocada do grupo. Ex-professora, decidiu desistir da profissão e começou a ser empregada doméstica. Frustrada com seus relacionamentos amorosos, ela não consegue manter um namorado decente e parece que o fantasma de seu caso com um homem casado ainda a afronta. Franny (Joan Cusack), por sua vez, parece ter o casamento perfeito. Bastante rica, inclusive chega a doar 2 milhões de dólares a uma escola. A terceira amiga é Jane (Frances McDormand), uma design de moda bastante reconhecida. Suas roupas valem uma fortuna. É casada com Aaron (Simon McBurney), homem que, de acordo com o pensamento das amigas de sua esposa, possui um jeito gay. A última é Christine (Catherine Keener), a que enfrenta mais problemas com o marido, David (Jason Isaacs). Os dois mantém discussões devido às suas diferenças de pensamento. Logo, emergimos no mundo dessas quatro mulheres e somos apresentados aos seus problemas (quando existem, já que Franny, com exceção das outras, realmente parece viver uma vida perfeita, embora até ela própria se sinta mal durante uma parte da projeção) e diferenças.

Confesso que não conheço muito bem os trabalhos da diretora e roteirista Nicole Holofcener. Contando com um curta-metragem, intitulado "Angry", e mais dois longas – tirando "Amigas Com Dinheiro" – em seu currículo de diretora, o restante de seus projetos pode ser reduzido a direções de séries televisivas como "Sex and the City", "Six Feet Under" e "Gilmore Girls". No entanto, não podemos considerar as características da cineasta apenas por seus projetos na televisão, visto que, na realidade, ela dirigiu poucos episódios dos seriados citados (por exemplo, de "Gilmore Girls", ela somente foi responsável pela direção de um episódio). Todavia, descartando as suas outras produções, em "Amigas Com Dinheiro", mostra-se capaz plenamente de retratar o mundo feminino, embora, algumas vezes, pareça fazer questão de manter-se distante dos problemas reais, que poderiam ser mais focados pelo seu roteiro.

Acima de tudo, Holofcener trata de situações reais, que podem acontecer com qualquer pessoa, mesmo que, muitas vezes, aparente difícil de se concretizar, como é o caso de Olivia. A meu ver, dificilmente uma professora desistiria de ensinar para tornar-se uma empregada doméstica. Nada contra essas últimas, pelo contrário, mas não é plausível alguém dedicar-se a uma profissão e simplesmente desistir por uma adversidade encontrada, e, ainda por cima, passar a desempenhar um trabalho que não tem nada a ver com a sua pessoa. O roteiro, ao se basear em quatro amizades já estabelecidas há um tempo, pecou ao não explicar o porquê de essas mulheres serem amigas. A princípio, pode-se imaginar que estudaram juntas, mas a diferença de idade entre elas é clara, visto que Jennifer Aniston é mais nova do que as outras três. Então, fica a dúvida sobre de onde esse relacionamento tão cheio de intimidade surgiu. No entanto, isso não chega a prejudicar plenamente a trama.

Deixando alguns aspectos negativos de lado, a maior proeza da diretora e roteirista é fazer um retrato fiel do cotidiano das mulheres, abordando, também, os seus problemas, sejam financeiros ou psicológicos – como o fato de Jane não ter vontade de sequer lavar o seu cabelo. Porém, embora consiga retratar bem a maioria das situações, Holofcener, algumas vezes, não demonstrou pulso firme o suficiente para conduzir a trama totalmente de maneira magistral. Em certas ocasiões, a história acaba perdendo a sua graça inicial, e, por sorte, depois a retoma.

As divergências entre casais também são conduzidas de uma boa forma, principalmente as ministradas pelos personagens Christine e David, visto que os dois possuíam o relacionamento mais conturbado do filme, discutindo, certas vezes, por casos aparentemente sem valor, resultando em uma típica briga de casal que pode ser vivenciada por qualquer um. Também somos apresentados à força que uma amizade pode ter. Embora até sem nada em comum, as quatro mulheres continuam amigas, demonstrando que não é preciso existir um porquê para as pessoas se gostarem. O sentimento apenas existe e pronto. A trilha sonora, por sua vez, é feita de momentos, mas, em geral, passa despercebida em meio às outras características do longa.

Holofcener também consegue tirar boas atuações de seus atores. As quatro atrizes não chegam a ser exemplares, porém, para o que o filme se propõe, desempenham bons papéis. Jennifer Aniston como Olivia mostra que ainda tem o que aprender, mas acredito piamente que, se tiverem paciência com ela e souberem administrá-la da melhor maneira, será capaz de demonstrar o seu real talento. Catherine Keener, responsável pela interpretação de Christine, é a mais notável entre as quatro. Sinceramente, a mulher, embora esteja beirando os seus cinqüenta anos, esbanja charme e elegância em cena. Vale ressaltar que Keener aparenta ser o verdadeiro xodó de Holofcener, visto que as duas trabalharam juntas nos outros dois longas da diretora citados anteriormente. Frances McDormand como Jane também protagoniza boas cenas, principalmente devido ao seu humor e temperamento explosivo. A mais apagada das quatro mulheres é, definitivamente, Joan Cusack como Franny. No entanto, o problema residiu em sua personagem ser a mais reduzida e menos "problemática" do longa, não disponibilizando à atriz tantas boas cenas assim. Os atores Jason Isaacs (David, marido de Christine), Greg Germann (Matt, marido de Franny) e Simon McBurney (Aaron, marido de Jane) são, obviamente, os coadjuvantes e, como tais, não são responsáveis pela real "ação" da trama. Mesmo assim, os três não desapontam e fazem o possível para comporem bem os personagens.

Embora possua alguns erros e até mesmo caia em um clichê básico no final, "Amigas Com Dinheiro" traz a realidade de parte do universo feminino, mostrando a amizade existente entre quatro mulheres com diferenças, mas que, mesmo assim, continuam amigas, tornando possível que vejamos que, para gostar de alguém, não é necessário um motivo tão forte. Definitivamente, peca ao não aprofundar-se tanto nas relações, todavia, se houvesse uma abordagem mais profunda, provavelmente o filme ficaria bastante duradouro. Não chega a ser uma obra-prima, porém é real, leve e coeso, fazendo com que suas falhas sejam aparentemente esquecidas, e talvez seja isso que mais agrade.

Andreisa Caminha
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