Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 08 de dezembro de 2006

Hora de Voltar

"Hora de Voltar" traz uma jornada de auto-descoberta pela qual a maioria dos seres humanos necessita passar. É um filme emocionante, repleto de situações que poderiam acontecer na vida real. Figurado por uma ótima trilha sonora e atores jovens e competentes, o longa se mostra um dos melhores dramas com toques de comédia dos últimos anos.

Nem sempre o êxito dos filmes está atrelado a um diretor de renome e atores conhecidos. Mesmo não sendo um cineasta experiente, Zach Braff conseguiu em "Hora de Voltar" o que é o maior objetivo de um drama: emocionar o espectador. Não, o longa não traz emoções infundadas e facilmente vistas. Ele toca o seu público de uma maneira eficiente, no entanto, talvez, até imperceptível por algumas pessoas. E é exatamente essa delicada forma de tratar os sentimentos que agrada mais ainda. O roteiro sublime permite que façamos uma conexão da história do filme com a da nossa vida, nem que não tenhamos passado por todas as situações vividas pelo protagonista.

Andrew Largeman (Zach Braff) é um jovem de 26 anos que se mudou para Los Angeles com o intuito de se estabilizar na carreira de ator, todavia, não é nem um pouco bem sucedido profissionalmente. Após nove anos ausente, Andrew é obrigado a voltar à sua cidade natal, visto que sua mãe faleceu e ele precisa ir ao funeral. Decidido a passar pouco tempo no local, ele revê seus amigos de colégio, em especial Mark (Peter Sarsgaard), e também conhece Sam (Natalie Portman). Large, como o jovem também é chamado, vive, então, experiências que são responsáveis por acarretar uma avaliação de suas escolhas e relacionamentos.

"Hora de Voltar" é, acima de tudo, uma jornada de auto-descoberta. É interessante notar que, em apenas quatro dias, tempo o qual Largeman passou em sua cidade natal, ele foi capaz de se conhecer mais do que o restante de seus 26 anos de vida. Poucos filmes conseguem ser apaixonantes como esse. De uma maneira sutil, o longa transborda emoção por todos os lados. E todos são responsáveis por isso, desde aquele ator que mal apareceu em cena ao talentoso Zach Braff, que protagonizou, roteirizou e dirigiu o projeto. Geralmente, dramas com toques de comédia não conseguem atingir de forma proveitosa o seu objetivo, o que torna, assim, "Hora de Voltar" um dos melhores exemplares do gênero. Talvez pensem que estou vangloriando demais esse filme, mas, sinceramente, palavras jamais conseguirão descrever o efeito que ele teve sob a minha pessoa. Não são todos os projetos que conseguem emocionar de uma maneira quase imperceptível. Não são todos os dramas que tocam o espectador mesmo não levando este às lágrimas. O longa, de maneira alguma, emociona de uma forma tão descarada, porém o efeito de reflexão que fica depois da projeção é mais eficaz do que qualquer choro.

A direção de Zach Braff é exemplar. Ele não inova em planos, em maneiras de abordar as nuances dos personagens, mas traz, acima de tudo, uma forma precisa de conduzir a trama. O grande trunfo do filme reside na constante tentativa lançada por Braff de aproximar o público dos personagens, o que ajuda a história tornar-se, imprescindivelmente, plausível e real. Também, na maioria das cenas, o jovem mostra-se capaz de abordar bem os ambientes usados, tirando de todos sua respectiva particularidade. Além disso, a precisão de Braff no papel de diretor deve ser elogiada mais ainda, haja vista que o sujeito é inexperiente como cineasta e roteirista. Posso afirmar, a partir de "Hora de Voltar", que o potencial deste ator advindo, principalmente, de seriados é grande.

Como roteirista, Braff consegue desempenhar melhor ainda a sua função. Rega o filme de momentos marcantes, que ficam em nossa cabeça inclusive após o término da projeção. Incríveis as tiradas e reflexões sobre vida dos personagens principais em algumas cenas. Ressalto que o roteiro também teve o papel de fazer com que possamos criar uma conexão da história do filme com a de nossa vida. Como seres humanos, após sofrermos e sermos calejados por situações do destino, muitas vezes, alguns de nós tornamo-nos indiferentes. Assim como Andrew, devido a certas situações vividas, mostramo-nos incapazes de sentir emoções, o que faz com que sejamos vistos como reais "pedras" de frieza.

Ainda mostra que sempre há uma esperança de amadurecer e se achar, por mais que seja ínfima e praticamente impossível de existir. Coincidentemente, após parar de tomar os remédios que o deixavam indiferente, Andrew conheceu Sam, que, pode-se dizer, foi a luz no fim do túnel da vida do rapaz. Ela trouxe esperança, amor, cumplicidade, amizade e, acima de tudo, vida ao ator frustrado. Sam é o que a grande parte de nós deseja e precisa achar. Principalmente através dela que Andrew foi capaz de se encontrar como pessoa. Também ela foi responsável por fazer com que o rapaz aceitasse as mais diversas adversidades da vida de uma maneira positiva, já que, como a própria Sam citou em uma parte do filme, "if you can't laugh at yourself, life's gonna seem a whole lot longer than you'd like" – traduzindo para o português, seria "se você não pode rir de si mesmo, a vida vai parecer bem mais longa do que você gostaria". Ficou surpreso por eu ter citado uma frase do longa? Pois não fique! Neste filme, os diálogos são trabalhados de uma maneira sutil, no entanto eficaz. E assim continua "Hora de Voltar", repleto de situações nas quais sofremos uma certa identificação.

O filme também acerta ao não banalizar as relações. Na realidade, o relacionamento de Sam e Andrew vai bem mais além do que qualquer ligação carnal. Embora o longa inteiro se passe em quatro dias, os personagens citados possuem cumplicidade. Ok, essa cumplicidade foi adquirida de uma maneira rápida, mas em nenhum momento fica aquela impressão de que não pode acontecer na vida real. Um dos fatores que ajudou bastante para isso foi a intensa química existente entre Zach Braff e Natalie Portman. Os dois pareciam estar brincando e se divertindo perante às câmeras, mas isso comentarei mais adiante.

A trilha sonora, definitivamente, é marcante. Atrevo-me a dizer que é uma das trilhas que mais aprecio escutar. A maioria das músicas possui um compasso apaixonante, sendo inseridas nos momentos exatos. Após esse filme, apaixonei-me por algumas bandas que sequer conhecia, como a ótima The Shins – que tem até uma música citada em uma fala da personagem de Natalie Portman – e Frou Frou. As canções figuram muito bem o filme em geral, sendo responsáveis por marcarem ainda mais as cenas em nossa memória. Por exemplo, é impossível esquecer quando Largeman vai à uma festa e a comemoração é embalada por "In The Waiting Line", de Zero 7; assim como o momento do funeral de sua mãe, no qual uma personagem canta a música a antiga, porém não menos bela, "Three Times a Lady", originalmente de Lionel Richie – que, por sinal, não será encontrada na trilha sonora oficial do filme; ou então os últimos minutos da projeção, que são figurados por "Let Go", da banda Frou Frou. Como foi possível notar, as músicas realmente são marcantes, caso contrário, não teria lembrado de tantas assim.

Os jovens atores são outros destaques do longa. Zach Braff consegue compor um Andrew indiferente, primeiramente incapaz de manter sentimentos. Confesso que, quando soube que o filme seria protagonizado pelo ator, fiquei um pouco apreensiva, visto que apenas o conhecia por seu papel J.D., do seriado "Scrubs". Não que ele seja ruim na série de televisão, no entanto, para mim, o programa pode ser considerado descartável. Em "Hora de Voltar", Braff mostrou-se um ator capaz de incorporar realmente o personagem. Já Natalie Portman está, como sempre, sublime. No mesmo ano, conseguiu dois papéis completamente diferentes – Sam, de "Hora de Voltar", e Alice, de "Closer – Perto Demais" -, e nos dois captou bem a essência das mulheres. Embora passe por problemas, Sam é cheia de vida e admira as pequenas coisas. É aquela pessoa capaz de fazer um funeral para o seu hamster, o que pode aparentar ser banal, e também ser uma ouvinte esplêndida. Portman traz densidade à sua personagem. Chora quando precisa chorar, ri quando necessita rir, permanece séria quando precisa permanecer. Tudo em sua atuação é feito no momento certo. Outro integrante do elenco que precisa ser ressaltado é Peter Sarsgaard. O ator vive com precisão Mark, melhor amigo de Largeman no longa, trazendo a dose certa de frustração e carinho.

"Hora de Voltar" não é apenas mais um filme. Trata, acima de tudo, de uma jornada de auto-descoberta do protagonista. O projeto é capaz de estabelecer uma profunda identificação da ficção com a realidade, sendo figurado por personagens que podem ser quaisquer um de nós. Ele mexe com emoções de uma maneira sutil, porém eficaz. No final da projeção, estabelece uma reflexão sobre quanto podemos realmente ser felizes, seja através de um simples momento ou achando um grande amor. Zach Braff posssui inúmeras funções neste longa e desempenha todas com precisão. Ele protagoniza, dirige e roteiriza de uma maneira única. Natalie Portman também tem seu papel marcante no filme ao interpretar Sam, par romântico do protagonista. Além disso, o longa também é figurado por uma ótima trilha sonora. Definitivamente, um dos melhores dramas aliados à comédia que já assisti. E para você que teve paciência de ler esta crítica até o fim, "good luck exploring the infinite abyss" – ou, em português, "boa sorte explorando o abismo infinito", seja qual for o seu entendimento acerca dele.

Andreisa Caminha
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