Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 08 de dezembro de 2006

Encontros e Desencontros

A sensibilidade que Sofia Coppola fornece a "Encontros e Desencontros" reflete na sua maestria ao trabalhar a evolução de seus personagens, sua subjetividade e malícia ao domar um enredo particularmente sutil, mas que resulta em um filme simplesmente imperdível, apesar de não ser mais um daqueles filmes pops, ou seja, nem todos saberão interpretar o que a produção quer passar.

"Encontros e Desencontros" se passa em Tóquio, grande parte situada em um hotel onde os dois personagens principais vivem seus isolamentos particulares daquele mundo estranho. Bob Harris (Bill Murray) é um ator de cinema em decadência que está na cidade para fazer um comercial de uísque e, além de ser mal humorado e aparentemente frustrado, tem um casamento em crise e é desanimado com a vida, porém dono de um imenso senso de humor. Charlotte (Scarlett Johansson) é esposa de um fotógrafo que não lhe dá muita atenção e vive em um mundo semelhante ao de Bob. Jovem e casada há dois anos, a moça já se sente perdida e confusa sobre o que realmente quer da vida. Ambos personagens se dedicam a ficar grande parte ociosos dentro de seus quartos, admirando a grande cidade que é Tóquio, sem poder desvendá-la devido ao choque cultural que têm, alienando de uma forma hilária os americanos. Em uma de suas noites vazias, Bob e Charlotte se encontram e começam a ter uma conexão surpreendente e acham, um no outro, aquilo que precisavam para que suas vidas tivessem algum sentido de existir.

O mais interessante no roteiro de Sofia Coppola é como ela consegue construir os universos de seus personagens. Cada qual na sua particularidade, ambos procuram motivos novos para que possam sair do marasmo e fazer algo útil de suas vidas. Bob e Charlotte são semelhantes em suas condições, mas são opostos que se encaixam ao revelarem-se aquilo que um buscava no outro. Ela, uma jovem cheia de vigor, beleza e inteligência era o mundo novo que Bob queria explorar, enquanto este era a visão da experiência e da responsabilidade que Charlotte desejava possuir. Mas antes que os personagens se interliguem, Coppola constrói um ambiente de tédio na vida de ambos. Muitos espectadores não conseguem compreender a lentidão de muitas ações que são postas durante o desenrolar da história, ou, até mesmo, o acontecimento de coisas que, à primeira vista, são praticamente dispensáveis, mas este espectro que é construído na vida dos personagens é extremamente proposital para fazer com que o público possa sentir juntamente com Bob e Charlotte seu cansaço, tédio e ócio, e que entenda os motivos que o fazem mudar de vida. As várias cenas silenciosas, as tomadas curtas e as ações confusas são fatores indispensáveis para que a evolução dos personagens e da história aconteça. De certa forma, o roteiro é despretensioso e não muito complexo, o que joga nas mãos do elenco uma responsabilidade enorme de trabalhar somente em cima da idéia de deslocamento pessoal, questionamentos íntimos e solidão. É possível perceber que a temática jovem não exclui ninguém do público e que aquelas situações são fragmentos que passamos, em menores ou maiores proporções, nas nossas vidas. A incessante busca de achar nossa identidade e saber o valor da vida são fases que os humanos têm e Coppola investe nisso na sua narrativa.

Além de um roteiro simples, Coppola mostra que sua juventude e frustração de não ter conseguido fama como atriz não a impedem de buscar na direção de filmes sua verdadeira essência. Não é por ela carregar um nome cuja responsabilidade irá pesar pelo resto de sua vida, mas é óbvio o seu talento como diretora. No seu projeto anterior, "As Virgens Suicidas", Coppola já havia mostrado a todo o mundo o seu jeito de trabalhar, inclusive aderindo a características próprias que podem ser identificadas também em "Encontros e Desencontros". Sua facilidade em investir na fotografia, explorando o cenário, inclusive dando a ele uma dimensão onde o vazio e o silêncio tornam-se personagens do ambiente em que desenvolve sua trama. Coppola não tem medo ao investir em novas possibilidades em ângulos e movimentações de câmera e acaba acertando em praticamente tudo que faz. Além disso, consegue fazer externas de Tóquio meramente simplistas e espetaculares, mostrando o distanciamento dos seus personagens daquele mundo estranho, mas que não perde sua beleza. Distanciamento este que vai sendo quebrado à medida que Bob e Charlotte vão conhecendo um ao outro e a si mesmos, e também à cidade. A alienação lingüística que enfrentavam no começo parece que vai sendo dissolvida de certa forma que eles deixam de ser estranhos e passam a viver intimamente com o ambiente que tinham nas mãos o tempo todo.

Coppola conseguiu tirar de Bill Murray uma de suas melhores atuações dos últimos tempos. Sempre enigmático e com seu olhar melancólico, Murray dá a Bob um toque de humor que é essencial para reforçar sua vida frustrada, como se ele não tivesse mais nada a perder. Aparentemente a vontade em cena, a harmonia com a jovem Scarlett Johansson foi um dos principais pontos positivos e surpreendentes da produção. Particularmente eu não pensei que fosse capaz criar uma sintonia entre os dois, não pela idade ou pelo diferente modo de atuar, mas sim pela fotografia que os dois causariam. Felizmente eu me enganei e vi que tanto Murray quanto Johansson deram o máximo de si para que seus papéis não demonstrassem nenhuma fragilidade ao lidar um com o outro. Johansson torna Charlotte praticamente uma Íris, mulher e menina, feliz e triste, um verdadeiro jogo de antíteses que desperta em Bob a curiosidade e um carinho imenso, que vai crescendo sem eles mesmo perceberem. A afinidade de ambos os personagens só é realmente revelada no clímax da história, levando o público também a descobrir o quanto eles ficaram dependentes um do outro. O amor, o carinho, a aventura que ambos desfrutavam precisavam ser alimentados, pois só assim eles conseguiriam continuar mudando suas vidas para melhor. Outro ponto em que Coppola acertou foi ao trabalhar este sentimento entre os protagonistas, sem dar muitas margens ao público para saber se ali existe uma paixão carnal ou se a amizade prevalece. Essa constante dúvida vai sendo dissolvida no desenrolar da trama, mas depois, na cena final, volta ao ponto que havia partido, deixando mais um gostinho de dúvida na boca do espectador.

Cena final esta que ousou e mostrou que Coppola realmente usou da sensibilidade para guiar o primeiro ao último minuto de seu filme, já que pouquíssimos diretores investiriam em finais tão pouco metódicos, porém mágicos o suficiente para causar um aperto no coração, remetendo para que cada espectador faça uma auto-análise do que faz de sua vida, de quem gosta, de quem o faz bem e do precisa para auto-afirmar a sua identidade. E o mais importante, o não exagero, o não escracho, a não mesmice foram pontos fundamentais para que o filme funcionasse, mesmo sabendo que nem todos que o assistirem irão ter a leitura certa que Coppola quis passar. O que desgasta não é a lentidão e o desnível narrativo que o enredo vai sofrendo, mas sim a pouca disposição de muitas pessoas do público para dedicarem sua atenção a fórmulas novas de fazer cinema, que não seja aquelas que estamos acostumados a ver e toda a estética imposta pela diretora e sua competente equipe funciona logo de cara.

Estabelecendo-se no mercado de novos diretores, Sofia Coppola traz mais uma boa história que investe no conhecimento do universo alheio e do próprio mundo não só de seus personagens, já que contagia a quem o assiste também. A forma como a diretora constrói uma narrativa cheia de fragmentos é memorável, já que nem todos os diretores têm a competência que precisam para sugar o máximo dos momentos impostos no roteiro. Esta é a vantagem dos projetos que Coppola assume: à medida que vai construindo o roteiro, ela já vai encontrando soluções de explorar aquilo, destacando as melhores formas de fazer a cena render. Aliada a um elenco cujas interpretações são espetaculares e a uma trilha sonora selecionada a dedo, faz de "Encontros e Desencontros" a confirmação da sua competência e constrói uma ótima opção para quem quer mais do que mera diversão e não se incomoda em refletir um pouco depois do 'the end'.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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