Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de outubro de 2006

Muito Gelo e Dois Dedos D'Água

Investindo num humor com pretensões cult, "Muito Gelo e Dois Dedos D'Água" não convence nem como comédia despretensiosa. No mais, vemos uma trama desprovida de atrativos que acaba por irritar o espectador pela sua falta de propósito.

Daniel Filho já teve dias mais gloriosos. Digo isso por tantas coisas de qualidade que produziu e dirigiu na TV e até mesmo no próprio cinema ao longo de sua vasta carreira. Ultimamente, no entanto, suas investidas cinematográficas têm deixado muito a desejar, já que o diretor parece insistir em investir seu trabalho e seu dinheiro em produções medíocres que falham até na intenção de proporcionar boa diversão, vide "Sexo, Amor e Traição", que teve Daniel como produtor, "A Partilha", infeliz adaptação da peça de Miguel Falabella para as telonas e até mesmo "Didi – O Caçador de Tesouros", uma produção cujo teor dispensa comentários. Exigência do mercado? Técnica para arrecadar mais dinheiro? Realmente o fato de um diretor renomado com uma filmografia consolidada passar a investir em tais trabalhos é uma coisa que não ouso justificar ou até mesmo julgar, já que cada um faz o que acha mais conveniente para si. Enfim…

Para dar uma situada em quem ainda nem mesmo ouviu falar de "Muito Gelo e Dois Dedos D'Água", a trama é basicamente a seguinte: duas irmãs, que sofreram nas mãos de sua avó quando pequenas, decidem seqüestrar a velha e retribuir todo o tratamento a elas dedicado. No meio disso, acaba se juntando acidentalmente à dupla um advogado nerd, enquanto o marido de uma das irmãs segue à procura de sua mulher por desconfiar que ela está usando entorpecentes, já que dá por falta de alguns de seus medicamentos. Ok, pela sinopse pode-se até esperar pelo menos um filme que nos proporcione boas risadas pelas situações inusitadas, mas o que acontece é algo bem diferente. Enquanto comédia o filme não diverte. Para se encaixar em outro gênero, a produção não se deixa levar a sério o suficiente. O humor com intenção de ser inteligente acaba, por vezes, a beirar o mau gosto e nem mesmo as atuações se destacam. É como se tudo o que pudesse dar errado em um filme, de fato desse, nessa produção em específico.

O erro principal, talvez, tenha sido a pretensão de fazer algo diferente, inovar, sem que se tivesse competência para isso. Em várias passagens identificamos o desejo do longa de se igualar com aquelas produções independentes que querem romper com os padrões comerciais, mas sem saber exatamente como fazê-lo. O filme torna-se entediante, aborrece o espectador, não causa nenhuma sensação ou reação.

O elenco, por sua vez, também não ajuda muito. Os personagens, quando não são extremamente caricatos como é o caso do médico vivido por Thiago Lacerda, são completamente sem expressão. À veterana Laura Cardoso, de quem sempre se espera uma atuação competente, nem mesmo foi dada a chance de se destacar, já que sua personagem passa 90% da história sedada. As protagonistas, função destinada à dupla Paloma Duarte e Mariana Ximenes, não conseguem conquistar a simpatia do público, muito menos Roberto, o personagem de Ângelo Paes Leme.

O humor do filme se encaixa numa categoria indefinida, o que não seria problema se esse aspecto tivesse sido bem administrado. O que acontece aqui, no entanto, é um festival de piadas mal sucedidas (salvo um ou outro momento raro). Os efeitos aplicados também parecem sem propósito. Por vezes podemos associar alguma cena que estamos vendo a uma passagem de desenho animado sem graça. Um ponto relativamente destacável, para não dizer que nada se salva nesse longa, é a trilha sonora, para quem aprecia o gênero. Composta basicamente de sucessos do pop nacional dos anos 80, ela pode ser um ponto que agrade ao público saudosista.

"Muito Gelo e Dois Dedos D'Água", afinal, pode ser tido como uma experiência não tão bem sucedida de ser inovar dentro do humor gratuito, mas com muitos (e bota muitos nisso) aspectos a serem trabalhados melhor. Para os que mesmo assim decidirem conferir a produção, tudo o que pode ser digno de alerta já foi dito aqui. No mais, certamente existem opções melhores na hora de ir ao cinema.

Amanda Pontes
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