Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Sexo, Amor e Traição

Com uma premissa nada inovadora e impossível de não cair nos eventuais clichês, "Sexo, Amor e Traição" mostra-se ousado ao conseguir se classificar como uma boa comédia brasileira, visto que sempre somos cercados de besteiróis nacionais cujo ponto mais forte é o elenco. Uma mistura de competências que deu certo.

A comédia romântica moderna proposta pelo longa gira em torno de seis personagens e suas relações com o sexo, o amor e todas as conseqüências que tais coisas podem provocar, como a traição. Ana (Malu Mader) é uma fotógrafa que divide o mesmo apartamento com seu marido Carlos (Murilo Benício), um escritor em pleno lapso criativo. A relação do casal é balançada com a chegada de Tomás (Fábio Assunção), o símbolo do homem carnal e sedutor. No apartamento de frente, vivem Andréa (Alessandra Negrini) e Miguel (Caco Ciocler). Ambos somente aparentam felicidade, já que Miguel apenas vê Andréa como um simples objeto a ser exibido no seu ambiente social, enquanto a moça é uma modelo frustrada que sofre com a indiferença do marido. Chegando do exterior, Cláudia (Heloisa Périssé) acaba indo se hospedar no apartamento de Andréa e Miguel. Tanto a chegada de Tomás quanto de Cláudia é o estopim para que um verdadeiro jogo de relacionamentos comece a acontecer, esbanjando infidelidade, tensões sexuais, separações, reconciliações e tudo que os personagens têm direito. Isso acaba dividindo os homens em um apartamento e as mulheres em outro, reforçando o jogo dos sexos e gerando conflitos que busquem atingir a satisfação pessoal e o amor em primeiro plano.

Tratar de temas semelhantes não é nenhuma inovação para o cinema em geral, quanto mais para o brasileiro, que acaba assumindo uma característica de quem copia fórmulas estrangeiras já conhecidas e junta um elenco que sempre está brilhando nas telenovelas e montam um filme. O jogo dos sexos que o roteiro de Emanuel Jacobina e René Belmonte apresenta possui todos os ingredientes que podem explorar, mas, ao mesmo tempo, tal lugar comum não aparece como uma desvantagem no desenvolvimento da trama. Isso se deve à grande sutileza usada nos diálogos íntimos dos casais, que provoca uma relação de identificação do público com os personagens, fator este que é muito importante, não deixando o espectador irritado em algum momento e atraindo sua atenção durante toda a duração da película. Farpas são trocadas, casais são desfeitos, traições são amontoadas e os estereótipos vão sendo reforçados, o que acaba denunciando um bloqueio na tentativa de inovar. Sempre tem aquele certinho, ou o mulherengo, ou a promíscua ou a sonhadora. E sempre tem aqueles que são neutros e procuram estabilizar as histórias dos outros personagens. Tais estereótipos acabaram deixando um gosto amargo de quem vai digerir o filme, pois dá a sensação de que aquilo poderia ter recebido um tratamento mais peculiar que proporcionasse coisas novas. E não adianta dizer que a guerra dos sexos acabou. Ela pode ter sido diminuída, e é até mostrada ao abordar a independência das mulheres, mas ainda não foi abolida. Homem versus mulher sempre existirá e por receber um upgrade cada vez mais moderno é que o roteiro poderia ter apurado novas situações e trazê-las à tona.

A estréia de Jorge Fernando na direção ainda promove comparações com seus trabalhos televisivos. Sempre assumindo um caráter meio novelesco, Jorge acaba limitando mais ainda o andamento da trama. Mesmo desfrutando de um cenário belíssimo e tendo acertado na trilha sonora contemporânea e que, certamente, marca os momentos mais interessantes da trama, o diretor não consegue ir muito além do que sempre foi. É óbvio seu timing para a comédia e consegue extrair isso do seu elenco, mas, ao mesmo tempo, parece se confundir com o projeto que tem em mãos e não assume uma linguagem cinematográfica adequada que o filme poderia ter promovido. Além da comédia, ele consegue pontuar momentos importantes onde há um drama emocional mais forte e o caráter psicológico de cada personagem vem a trama, demonstrando que, mesmo dando os primeiros passos nas telonas, tem competência para aprender com cada novo projeto que aceitar seguir em frente.

O elenco está impecável. Um banho de grandes estrelas que, além de serem mais do que atores em ascensão no cenário nacional, são astros que conseguem atrair o público noveleiro que temos, e sabemos que tal público não é pouco. Isso acaba sendo positivo, pois promove uma ida maior dos brasileiros ao cinema e afasta-o das produções hollywoodianas, provando que temos produtos bons aqui mesmo na nossa terrinha. Malu Mader e sua voz rouca fazem de Ana o personagem com mais credibilidade de todos, não somente por ser uma das principais protagonistas, mas por ser aquela que talvez mais fique longe das caricaturas. Além disso, Mader está bastante a vontade no papel, e sempre ficamos ansiosos para saber quando ela irá esbanjar sua beleza novamente em cena. Murilo Benício sempre se encaixa bem em personagens bobões e agrada, mas ainda não sabe dar uma impostação na sua atuação adequada para as telonas. Alessandra Negrini e sua beleza impecável são fatores essenciais para que haja uma certa densidade na história. Longe das novelas, a atriz encabeçou esse projeto e mostrou que ainda está em plena forma, conseguindo até um feito que eu custei a acreditar: entrar em harmonia com Caco Ciocler. Os dois não combinam em nada durante suas cenas conjugais, mas acabam conseguindo driblar tais diferenças e convencendo das suas crises. Helosia Perissé continua com a cara de seriado de humor de televisão, mesmo tentando se diferenciar de qualquer outro trabalho que tenha feito. Apesar deste contratempo, seu talento é impecável, mas não bate Fábio Assunção. Definitivamente o filme é dele. Sua malícia e pitadas de humor negro ao construir Tomás são impecáveis e, por mais caricaturado que esteja, não economiza na postura adequada e se mostra o mais preparado para a vida cinematográfica.

Mesmo tendo uma abordagem que extrapole o lugar comum, "Sexo, Amor e Traição" é uma comédia leve e despretensiosa, que não vai além de um agradável entretenimento, mas que deixa no ar a certeza que, se tivesse sido revisado o roteiro e tiradas algumas de suas breviedades e artificialidades, a história poderia ter funcionado mais ainda. De qualquer forma, é uma comédia que não se enquadra nos besteiróis e tem um quê de madura, além de abordar a constante guerra dos sexos e temas que quer queiramos ou não, irão sempre estar presentes na vida de cada um, como o sexo fútil e o sexo útil; o amor verdadeiro e a paixão que passa; a traição necessária e a traição ocasional, enfim. Tudo que os relacionamentos estão expostos a viver, nas mãos de atores responsáveis e queridos pelo público.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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