Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 19 de setembro de 2006

Xeque-Mate

“Xeque-Mate” é o tipo de filme que contém todos os ingredientes para um thriller ser bem sucedido: roteiro inteligente e cheio de reviravoltas que prende o espectador do começo ao fim, violência, humor negro refinado, diálogos inteligentes e um super elenco. Uma ótima pedida para quem está cansado da falta de criatividade do gênero.

Ultimamente, os filmes do gênero thriller parecem cair cada vez mais na homogeneidade. Todas as semana chegam novos filmes do estilo, sejam no cinema ou nas locadoras, apresentando as mesmas coisas de sempre: ação, violência forçada, reviravoltas que não surpreendem nem a crianças, com direito ao típico “final surpresa” – quantos filmes você já viram em que o mocinho é incriminado injustamente por algo, e no fim, descobre que o culpado é alguém muito próximo dele? Pois “Xeque-Mate”, que apesar do elenco estrelar, chega aos cinemas sem muitos alardes, surpreende por conter algo que falta em demasia aos filmes atuais: inteligência e criatividade.

Slevin Kelevra (Josh Hartnett) está com vários problemas em sua vida. O prédio onde mora foi condenado, sua carteira de identidade foi roubada e ele recentemente flagrou sua namorada na cama com outro homem. Para escapar ao menos por algum tempo dos problemas, ele consegue emprestado com seu amigo Nick Fisher (Sam Jaeger) um apartamento em Nova York. Paralelamente um plano está sendo tramado no submundo do crime de Nova York. Para se vingar da morte de seu filho, o Chefe (Morgan Freeman) planeja um golpe no filho de seu arquiinimigo, o Rabino (Ben Kingsley). O Chefe contrata Goodkat (Bruce Willis) para executar o plano, que consiste em encontrar um apostador que deva muito dinheiro ao Chefe a ponto de aceitar matar o filho do Rabino para se livrar da dívida. O escolhido é Nick Fisher, o que faz com que Goodkat vá até seu apartamento e confunda Slevin com seu alvo.

O grande mérito de “Xeque-Mate” está no eficiente roteiro do estreante Jason Smilovic, que não perde tempo em jogar o espectador na trama, e mantém a regularidade até o último segundo. O roteiro de Smilovic se encaixou com perfeição à direção de Peter McGuigan (do bom “Paixão à Flor da Pele”), de modo que o clima de mistério prevalece durante todos os 109 minutos de projeção, e nunca ficamos 100% cientes do que realmente está acontecendo. As eficiências do roteiro, juntamente com a dinâmica direção, fazem com que a peteca não caia em nenhum momento, e qualquer distração do espectador, algum diálogo que passe desapercebido, uma pequena cena que fuja de sua atenção, podem ser fatais para a perca do rumo da história. Reviravoltas acontecem o tempo todo de uma maneira inteligente e em tempo não-linear, com uso de muitos flashbacks precisos. Um ótimo trabalho de edição, diga-se de passagem

O roteiro prima não só por manter uma trama constante, mas por preencher seu tempo com vertentes que dão riqueza a um thriller, que certamente farão os fãs de Quentin Tarantino se deliciarem. Antes que comecem a me xingar, não pensem que estou comparando “Xeque-Mate” com as obras de Tarantino, mas é inegável à influência do diretor na produção. Afinal, um filme com visual pseudo-noir sobre máfia, apostas, crimes, intercalando muitos personagens – cada um com sua particularidade e excentricidade – aderido de muito humor negro, violência e diálogos criativos, é impossível não lembrar do diretor de “Pulp Fiction”. Arrisco-me até a fazer um paralelo entre “Xeque-Mate” e os filmes “Jackie Brown”, do próprio Tarantino, e a comédia sobre máfia “O Nome do Jogo”, de Barry Sonnefeld, devido suas semelhanças de estilo de narrativa.

Não é fácil abordar o humor através da violência, mas isso o filme consegue muito bem. Rimos ao ver o personagem de Josh Hartnett levando um murro nariz – que por sinal, já estava quebrado -, e na cena seguinte vê-lo todo ensangüentado; e chega a ser cômica até uma cena de flagra de adultério. É humor negro bem trabalhado, e funciona exatamente por soar natural no que o filme se propõe. Ainda, há de citar que o diretor acertadamente aplica à película um clima surreal, com visuais exagerados e atmosfera noir, contrastando com uma violência bastante crua. O diretor simplesmente não se contém em mostrar cenas de sexo, além de muito sangue, onde não faltam matança, torturas, etc.

Além disso, o que não faltam são diálogos inteligentes, que mesmo que alguns não sejam importantes para o desenvolver da trama, exprimem uma identidade ao longa. Para a satisfação dos amantes da sétima arte, diálogos sobre cinema – principalmente referidos a 007 – e outros curiosos e cômicos estão presentes aos montes, além de colocações novas, como a definição da “Trapaça Kansas City”, tão citada pelo assassino Mr. Goodkat, vivido por Bruce Willis. O filme só vacila por repetir algumas vezes uma mesma piada a fim de torná-la cada vez melhor – como a ínfima explicação do porquê do personagem de Ben Kingsley ser chamado de “O Rabino” -, o que acaba não acontecendo. Mas estes defeitos são sobrepostos pelos toques criativos, que estão em bem maior número. O que me dizem da citação do personagem de Bruce Willis: "certa vez Charlie Chaplin entrou em um concurso de sósias do Charlie Chaplin em Monte Carlo e terminou em terceiro". Interessante, não?!

O elenco estrelar está muito competente e colabora muito para o resultado positivo do filme, de forma que todos eles – por mais que algumas vezes não pareça – têm uma importância extrema no desenrolar da trama. Josh Hartnett, que geralmente é bastante inexpressivo, está perfeito como o peculiar Slevin Kelevra. Um papel arriscado, pois como é o centro das atenções do roteiro, um mal desempenho poderia comprometer o resultado final, o que acaba não acontecendo. Hartnett dá o tom de excentricidade exato ao personagem, de forma que ficamos em dúvida sobre o que sentir por ele. Teoricamente, deveríamos sentir pena do pobre rapaz, por tudo dá errado em sua vida, se meter em situações de vida ou morte – literalmente – e apanhar tanto, sem motivos algum. Porém, mesmo ele estando metido em tantas confusões, ele demonstra tranqüilidade extrema o tempo todo, chegando ao ponto de sair de casa vestindo apenas uma toalha como se fosse a coisa mais natural do mundo. E essa sua falta de ansiedade nos remete uma estranheza a ele, fazendo-nos duvidar de sua índole.

Os experientes Morgan Freeman e Ben Kingsley estão ótimos como os mafiosos rivais. Ambos esbanjam seus ares de superioridades, transformando seus personagens em sujeitos maus, porém, humanos. A cena em que ambos dividem a mesma cena, chega a ser um verdadeiro duelo de egos. Se Lucy Liu, como a vizinha divertida de Slevin, e Stanley Tucci, como o detetive que o persegue, estão corretos dentro de suas particularidades, Bruce Willis novamente não faz feio. Ultimamente tendo feito papéis mais condizentes com sua idade (vide “Sin City” e “16 Quadras”), o eterno astro de “Duro de Matar” mais uma vez exprime seu jeito de durão, mas aqui, essencial ao seu misterioso personagem. Seu personagem, conhecido apenas como Mr.Goodkat, é alguém cuja maior parte da projeção não sabemos quem ele é, de que lado está, e finalmente, qual a finalidade de seu envolvimento com os demais personagens. E esse ar de mistério para alguém que tem uma importância extrema para todo o desenvolvimento da trama, Willis confere com méritos. E não estranhem se acharem seu personagem um tanto semelhante a “O Chacal”, que ele próprio viveu em 1997.

Complexo como um jogo de xadrez, é um digno trabalho do estreante roteirista Jason Smilovic. Se querem um filme inteligente, que tem todos os ingredientes para prender sua atenção do começo ao fim, “Xeque-Mate” é uma opção mais do que indicada.

Thiago Sampaio
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