Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 04 de novembro de 2006

Obrigado Por Fumar

Em setembro de 2005, Obrigado Por Fumar estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto. Após isto, a Fox adquiriu os direitos de distribuição do longa, fazendo com que fosse exibido nos Estados Unidos em março deste ano. Apenas agora, em agosto, que o filme chega ao solo brasileiro, disposto a levar aos cinemas aquelas pessoas mais críticas em relação ao império marcante e praticamente supremo da sociedade consumista onde vivemos.

Como não é novidade para ninguém, há filmes de diversos gêneros e gostos. Existem os feitos essencialmente para emocionar, os que retratam amores impossíveis, os dispostos a arrancar gritos de medo e sustos do espectador, os que procuram atingir o ápice da comédia através de situações hilárias, os que possibilitam uma reflexão maior, enfim, tipos de produções cinematográficas realmente são inúmeras. Obrigado Por Fumar, embora seja considerado comédia, não faz uso apenas de piadas engraçadas para atingir o público. Ele é um filme repleto de uma crítica à sociedade atual. Utiliza de forma clara e bem sucedida o humor negro, tirando, não só risos da platéia, como uma reflexão após a exibição do longa.

O personagem principal é Nick Naylor, lobista das grandes empresas de cigarros. Para quem não sabe, esta profissão consiste, basicamente, em convencer as pessoas (compradores, no caso) de que tal produto ou ponto de vista, na verdade, é bom, e fazer com que elas realmente o defendam. Portanto, Nick, o nosso "herói", consegue manter-se financeiramente através da defesa dos direitos dos fumantes na nossa cultura atual. Ele é o tipo de sujeito que consegue desempenhar o seu trabalho de uma forma magistral, fazendo uso de sua lábia convincente e impressionante. No entanto, nem tudo são flores para Nick. Desafiado pelos vigilantes da saúde, que desejam banir o consumo de cigarros, e por um senador oportunista (William H. Macy), que procura colocar rótulos indicando veneno nas embalagens dos produtos já citados, Naylor decide embarcar em uma ofensiva drástica de relações públicas, manipulando informações de uma a maneira como somente ele sabe fazer e diminuindo, perante programas de TV, os riscos do uso do tabaco.

O diretor Jason Reitman conseguiu fazer de Obrigado Por Fumar um projeto repleto de manipulações de ideais. O filme, baseado em um livro escrito por Christopher Buckley, traz Nick Naylor como um sujeito que, com sua lábia, consegue convencer a todos que, na realidade, cigarro é bom e que o produto não faz mal (pelo menos não há dados que comprovem isso). Reitman, que apenas havia dirigido os curtas-metragens premiados em festivais internacionais In God We Trust e Gulp, faz a sua estréia na direção de longas de maneira magistral. Claro, a forma de dirigir de Reitman não se equipara, pelo menos ainda, a de grandes cineastas com anos de estrada (o que é até normal, obviamente), mas consegue ser muito boa ao que se destina. Através da habilidade da direção e do roteiro, também escrito por Reitman, os momentos que consistem em praticamente divagações de Nick, que tinham tudo para se tornarem cansativos, conseguem nos levar ao verdadeiro mundo do lobista. Além disso, as cenas dotadas de humor negro nos levam a gargalhadas gostosas ao notarmos que, sim, essa manipulação presente no filme acontece em nossa sociedade, e, sim, realmente é notável que isso existe, porém, muitas vezes, preferimos fechar os olhos, ou então somos induzidos a não ver, quem sabe.

No filme, há uma clara inversão do conceito de moralidade. Enquanto em vários projetos cinematográficos, e até mesmo em nossa vida real, visualizamos aqueles que são contra os cigarros de uma maneira quase que heróica, em Obrigado Por Fumar isso é totalmente invertido. Nick Naylor se torna o "herói" do longa, e não há como desprezá-lo por isso. Toda a manipulação de informações (ou a chamada "culture of spin") está presente no protagonista, porém o sujeito é tão cativante que simplesmente não leva o público a odiá-lo, muito pelo contrário.

As cenas que mais chamam atenção do público são nas quais figuram o Esquadrão M.D.M. (Mercadores da Morte). Este grupo é composto pelo protagonista, porta-voz da indústria de cigarro, Polly Bailey (Maria Bello), porta-voz de bebidas alcoólicas, e Bobby Jay (David Koechner), porta-voz de armas de fogo. Devido a eles, tomadas despidas de falso moralismo e repletas de diálogos diretos podem ser visualizadas. Apesar de haver imensa crítica e reflexão à sociedade atual e, ainda assim, toques de comédia, no longa também há momentos dramáticos sem fazer com que se torne um típico pastelão norte-americano. A relação entre Nick e Joey Naylor (Cameron Bright), pai e filho, respectivamente, possui uma carga emocional eficaz e bem dosada. O relacionamento entre pai e filho é responsável por dotar o lobista de um aspecto humano maior, não sendo visto apenas como um manipulador de idéias. Além disso, Nick também possui uma relação amorosa breve (aliás, não é justo dizer que é um real relacionamento amoroso, já que este apenas consiste em sexo), com a repórter Heather Holloway (Katie Holmes). E é exatamente nessa relação que vemos outras características humanas de Nick. Conforme já citado, o lobista não é o "herói" de filmes do tipo, portanto também erra, e tira dos seus erros uma maneira para ressurgir de forma melhor.

Quase imperceptível em alguns momentos, a trilha sonora acerta ao utilizar canções antigas que fazem apologias ao cigarro. As músicas em geral poderiam ser melhores abordadas, mas, para o que se propõem, são eficazes. Geralmente, os cenários desses filmes do gênero não são tão analisados assim, passando praticamente despercebidos pelos espectadores, mas os cuidados com os ambientes de Obrigado Por Fumar necessitam uma citação. As cores são trabalhadas de forma igualmente eficaz. Em ambientes nos quais há pessoas que consomem ou defendem o cigarro, o uso de uma cor mais fechada, como marrom, é constante, enquanto nos locais onde residem os indivíduos que são contra a utilização de tabaco há uma predominância de tons mais leves, como branco.

O elenco é repleto de figuras já conhecidas do cenário de Hollywood. Aaron Eckhart vive um perfeito Nick Naylor. A partir de Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento, filme o qual foi um dos responsáveis por estabilizar Aaron em sua carreira artística, tornou-se notável que o ator realmente possuía talento. E em Obrigado Por Fumar ele só vem para se firmar mais ainda. Consegue dotar o protagonista de uma lábia infindável. Embora defenda uma coisa que é encarada de uma maneira ruim, o ator não é visto como vilão e nem odiado pelo público. Como o próprio personagem diz, "Michael Jordan joga basquete, Charles Manson mata pessoas, eu falo", e exatamente essa habilidade para falar e persuadir pessoas foi captada da melhor maneira possível por Eckhart. Outro personagem importante para o desenvolvimento da trama é Joey Naylor, filho do lobista. Joey é interpretado pelo jovem Cameron Bright, que vem desempenhando um trabalho promissor, já tendo contracenado com famosos atores, como Nicole Kidman e Robert De Niro, em Reencarnação e O Enviado, respectivamente. Obrigado Por Fumar é outro filme que vem ser atrelado ao currículo do garoto, que conseguiu manter as falas do pré-adolescente Joey de uma maneira natural e sutil, fazendo com que o público realmente acreditasse que Cameron havia sido transportado para o seu personagem.

Além dos dois atores citados, há outros destaques do elenco, como os integrantes do Esquadrão da Morte, Maria Bello e David Koechner. Bello dotou a sua personagem de um tom firme e forte, tão necessário a alguém que defende bebidas alcoólicas, um produto que realmente pode matar pessoas. Koechner é um comediante famoso por atuar no seriado norte-americano Saturday Night Live e também em filmes de comédia, como A Hora do Rango e Os Gatões – Uma Nova Balada. E em Obrigado Por Fumar o ator não deixou completamente de lado a sua vertente hilária, disponibilizando bons momentos aos espectadores. No entanto, nem todos os atores conseguiram uma amostragem tão eficaz assim. Novamente, Katie Holmes simplesmente não convence como a repórter Heather Holloway. Podem dizer que tenho uma certa perseguição por ela, mas, sinceramente, este não é o caso. Até gosto de Holmes, porém, como atriz, ela não é das melhores. Em 1998, no seriado Dawson's Creek, responsável por lançá-la ao mundo artístico, Holmes já mostrava seus trejeitos com a boca e olhares. E, por incrível que pareça, não conseguiu mudar ainda as suas feições como atriz. Em Batman Begins, até pensei que ela havia evoluído consideravelmente, mas, em Obrigado Por Fumar, todas as minhas esperanças foram por água abaixo. Não que a atriz não tenha evoluído, claro que ela não vai estagnar no tempo, todavia essa evolução não foi das melhores. Adam Brody é outro que possui minha simpatia, entretanto, em Obrigado por Fumar, faz de Jack um personagem não tão diferente de Seth, papel o qual interpreta no seriado The O.C. Também tendi participado de Sr. e Sra. Smith, o ator não parece ser capaz de mudar o seu estilo de atuar.

Diferente do que parece ser, Obrigado Por Fumar não é uma apologia ao consumo de cigarros. Além de uma comédia de humor negro, é um filme responsável por uma reflexão acerca de nossa sociedade atual. Nele, a maneira como somos manipulados finalmente é aberta aos olhos dos que não percebem, fazendo com que o projeto não se torne mais um em meio a muitos. Embora no personagem principal haja uma inversão do conceito de moralidade, os espectadores não saem das salas de cinema com a impressão de que o protagonista é um verdadeiro vilão da história. Se procura não apenas uma diversão, e sim estabelecer um olhar crítico do mundo consumista onde residimos, neste longa, encontrará uma boa opção.

Andreisa Caminha
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