Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de agosto de 2006

Obrigado Por Fumar

Uma comédia diferente do usual que usa como pano de fundo uma visão completamente crítica de ética e sociedade. No fim, acaba sendo uma das melhores pedidas dentre nossas últimas estréias.

É impressionante como filmes que utilizam a realidade conseguem material para gerar humor. Isso acontece, ao meu ver, por esses tipos de roteiro mostrarem fatos que muitas vezes fazemos questão de ignorar, fingir que não existem, mas que permeiam nosso dia-a-dia de maneira tão presente, que nos identificamos facilmente quando os vemos em nossa frente em forma de projeção. "Obrigado Por Fumar" lança mão justamente desse tipo de estratégia para compor a sua trama, fazendo de conceitos julgados pelo senso comum como absurdos motivos de riso.

O filme é centrado basicamente no cotidiano de Nick Naylor, um lobista da indústria tabagista americana cujo trabalho consiste basicamente em promover o fumo e o consumo de cigarros. Para isso, ele utiliza todo e qualquer argumento, ainda que beire o absurdo, para atingir seus objetivos e construir uma imagem manipulada do produto que está querendo vender. Aparentemente sem escrúpulos, Nick parece somente se importar com o filho, que mora com a mãe e o padrasto, mas que admira o pai, apesar de entender pouco as dimensões que envolvem sua atividade profissional.

Podemos falar de "Obrigado Por Fumar", objetivamente, como uma sátira à chamada cultura de consumo, onde tudo o que importa é a absorção de idéias e mercadorias. O que torna a abordagem interessante, no entanto, é a falta de idealização de glamour a história propriamente dita. Não há nessa produção o conceito batido que costumamos ver nas comédias hollywoodianas. Não há um enredo que foge dos parâmetros do que vemos e vivemos todos os dias. A realidade, explorada de um ponto de vista altamente crítico, acaba sendo o suficiente para render uma boa história.

Com um elenco permeado por nomes conhecidos, a atuação do protagonista, Aaron Eckhart, é bastante destacável. O ator não é propriamente do primeiro time de astros de Hollywood, mas também está longe de ser um novato. Aaron consegue passar impressões diferentes sobre seu personagem em vários momentos do filme, desde o mais descarado cinismo até a preocupação com seu filho. Isso conta como um mérito para "Obrigado Por Fumar", que não conseguiria se sustentar tão dinamicamente com um protagonista medíocre. O peso da responsabilidade de conduzir o filme está praticamente todo nos ombros do personagem Nick Naylor e seu intérprete dá conta do recado competentemente. William H. Macy, que dá vida ao senador que tenta a todo custo derrubar a propaganda de Nick, também merece ser mencionado. Sempre competente, o ator encarna convincentemente o bem intencionado, porém fraco senador Finistirre. Cameron Bright, o menino de "Reencarnação", também está presente, mostrando que talvez possa se livrar da chamada "maldição dos atores mirins" e engatar uma carreira sólida.

Para não falar que o time de atores só merece elogios, Katie Holmes está lá para provar mais uma vez que não nasceu para atuar. A atriz simplesmente não convence, muito menos quando a proposta é construi-la como mulher fatal.

O diretor Jason Reitman mostra-se bastante promissor nesse seu filme de estréia. Os pontos que ainda merecem aprimoramento tornam-se perfeitamente aceitáveis tendo em vista a falta de experiência do cineasta estreante. Fazendo o estilo crítico semelhante ao que consagrou Michael Moore como nome importante no mercado cinematográfico, Reitman aponta inclusive como uma possível figura que venha a incomodar com seus filmes.

No mais, nota-se em "Obrigado Por Fumar", que é possível concretizar uma comédia com conteúdo relevante, sem cair nos tão batidos clichês nem subestimar a inteligência do público. Diante da nossa não tão impressionante safra de estréias, essa se torna realmente uma boa pedida para quem vai ao cinema.

Amanda Pontes
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