Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de julho de 2006

Ken Park

Se há um mérito em “Ken Park”, ele é dos jovens atores. Praticamente todos eles são estreantes, e demonstram muita maturidade e ousadia na formação de seus papéis.

Tudo começa bem, até que um garoto de sorriso estranho se aproxima de um local onde outros jovens andam de skate, senta-se e abre a sua mochila, de onde tira uma arma. Com um sorriso ainda mais estranho, aponta a arma para a cabeça e comete suicídio. Como se quisessem nos fazer ter certeza ou acreditar no que acabamos de ver, a cena é repetida algumas vezes, de diversos ângulos. Essa foi a forma utilizada para nos avisar o que vem por aí.

Na Califórnia, Shawn (James Bullard) é um adolescente comum: tem amigos e uma namorada linda e apaixonada. Porém, isso não é o suficiente. Durante a ausência da moça e do pai desta, faz visitas à mãe da menina, com quem mantém relações sexuais. Mais adiante temos Claude (Stephen Jasso), um rapaz educado, mas que tem de conviver com um padrasto hipócrita, alcoólatra e violento, e com sua mãe, que ostenta uma enorme barriga de grávida e mantém-se passiva diante de tudo. Em seguida conhecemos Tate (James Ransone), provavelmente o personagem que mais desperta antipatia. Tate é considerado um rapaz inteligente, mas não faz muita coisa além de maltratar os seus avós, com quem ele vive, e trancar-se no quarto onde se masturba o dia inteiro. Já Peeches (Tiffany Limos) é o orgulho do pai, um religioso fanático que preserva um luto eterno por sua falecida esposa. A menina comporta-se bem e tira boas notas, mas, longe da vista do pai, pratica as mais criativas modalidades sexuais com seus colegas.

Temos aqui uma reunião de estereótipos que já vem sendo usada por Larry Clark desde a sua estréia no audiovisual, com “Kids”, em 1995. Estréia esta, agitada e comentada. “Kids” deu o que falar durante anos, tendo como principais interessados, apesar da censura, os próprios adolescentes. Com “Ken Park” não foi diferente. O longa-metragem de dez anos atrás chegou até a ser utilizado como elemento fundamental na publicidade do filme que estava chegando.

A adolescência e suas características são uma constante preocupação para o cineasta, que persistiu no assunto durante a maior parte de sua (ainda) curta carreira e que o levou a criar três álbuns de fotografia considerados revolucionários por sua temática polêmica. O cineasta garante que esse seu trabalho teve influência direta de cineastas como Martin Scorsese, Shinya Tsukamoto, Francis Ford Coppola e do seu contemporâneo Gus Van Sant.

“Ken Park” é o nome de um garoto ruivo, sardento, justamente aquele citado no início desse texto. Sim, o garoto suicida. Essa escolha não foi à toa. A mensagem que Larry Clark transparece com isso, é: “continuem levando suas vidas malucas e tenham filhos igualmente desequilibrados, criando assim, um ciclo infinito de famílias infelizes”. É facilmente visível que o cineasta mostra, na maioria das vezes, os filhos como vítima da insanidade de seus pais, pois os únicos momentos de paz são quando os adolescentes estão juntos usando drogas ou fazendo sexo.

Se há um mérito em “Ken Park”, ele é dos jovens atores. Praticamente todos eles são estreantes, e demonstram muita maturidade e ousadia na formação de seus papéis.

Beatriz Saldanha
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