Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de agosto de 2005

9 Canções

Quando estreou o filme, foi capa da Folha Ilustrada do dia. Empolgado fui ler a matéria. Fiquei tão desapontado com tal matéria, não por maltratar o filme, esculachando-o, mas por compará-lo ao mais que execrável O Império dos Sentidos, e por Michael Winterbottom ter este último filme como grande influência e inspiração. Reanimei-me novamente e resolvi encarar o filme, e aqui estou, feliz, por não ter me deparado novamente com um pornô de péssima qualidade.

Lembro que ao ver no jornal a história deste filme, fiquei bastante interessado, principalmente pela participação em forma de show do The Dandy Warhols e do Michael Nyman, os que mais conhecia e mais gostava. O primeiro uma banda indie que traz bastante bagagem da década de 80, e ainda cria um som superior as "rivais"; o segundo, um pianista fantástico. Ainda trilhariam pelo percurso de menos de 70 minutos outras seis bandas: Black Rebel Motorcycle Club (abre e encerra a trajetória das 9 Canções), The Von Bondies, Elbow, Primal Scream, Super Furry Animals e Franz Ferdinand. Tanto que nem se tem muito a dizer sobre a história do filme, ela é praticamente nula, mas nem por isso entediante ou insignificante. Mesmo que em fatos não tenha muito a dizer, as cenas ali presentes dizem muito. Aliás: um casal se conhece num show (Black Rebel Motorcycle Club), e começam um relacionamento. Vemos o decorrer do relacionamento através dos shows seguintes e através de cenas de sexo.

O que acabei de dizer acima era ainda do período das pré-estréias. Quando estreou o filme, foi capa da Folha Ilustrada do dia. Empolgado fui ler a matéria. Fiquei tão desapontado com tal matéria, não por maltratar o filme, esculachando-o, mas por compará-lo ao mais que execrável O Império dos Sentidos, e por Michael Winterbottom ter este último filme como grande influência e inspiração. Reanimei-me novamente e resolvi encarar o filme, e aqui estou, feliz, por não ter me deparado novamente com um pornô de péssima qualidade.

Sexo pode dizer muito mais que indecência, pecado, pornografia, ou mesmo, apenas prazer. E acho que é aí que Winterbottom ganha meu apreço (ao menos nesse filme, pois é o único que vi de sua filmografia). Tais cenas não transpiram apenas sensualidade, transpiram beleza, sentimentos, empenho, melancolia e ganha uma dimensão muito maior que O Império dos Sentidos, por exemplo. Neste vemos o sexo como mero instrumento de chocar a platéia, querendo mostar um sexo sem paixão e sem conexão, sexo por sexo deixa de ser arte e torna-se pornografia; naquele, vemos duas pessoas que transam pelo prazer, não apenas sexual, mas o prazer daquelas almas que se encontram, é um sexo vivo que foge aos corriqueiros gritos escandalosos, caras exageradas de prazer e tentativas de excitar a platéia – como em qualquer filme pornô de quinta categoria -, e torna-se belo por ser comum, ao som de Nadia de Nyman. Quando estão prestes a tomar café da manhã e surge aquela ânsia por parte dela por possuir aquele corpo mais uma vez naqule curto período que tinham, o sexo transforma-se em poesia, com uma música linda, uma cenografia espetacular, e toda aquela paixão e fluidez vinda do casal. Isso sim é arte, arte emociona com o mais simples acontecimento do cotidiano, como o sexo. Diálogos nem sempre são fundamentais, porque tal cena diria muito mais e emocionaria muito mais que qualquer diálogo de qualquer filme metido a besta e a pop.

Além dos trechos que shows que são exibidos (gostei de todos exceto de Whatever happened to my Rock and Roll do Black Rebel Motrocycle Club), trazendo bastante coisa interessante e nova para mim, ainda posso me deparar com fantásticas cenas de decepção e melancolia. O relacionamento já não era o mesmo, Matt mal se comunica com Lisa, não saem mais juntos. Acho que nada cairia melhor para mostrar tal desmoronamento da relação do que quando, após mostrar-se indisposta para sexo, ele a vê masturbando-se no quarto e obtendo o prazer que não conseguia mais com ele, e quando ela se recusa a ir ao show para ficar em casa. Relacionamentos definham-se e constroem-se através de sexo, e também definham-se e constroem-se independente do sexo. E sexo também uma espécie de oráculo, pois é um dos momentos mais vulneráveis da pessoa, e que se percebe muito do que se passa com a pessoa (e não digo apenas o ato em si, mas também as preliminares e o pós-sexo). O humano também é arte, é belo, é proeminente, é instigante, é o filme.

Não posso deixar de dar minhas vagas impressões sobre a fantástica trilha sonora. Graças a ela, me interessei em conhecer de fato o Super Furry Animals, fiquei estarrecido com a música do Elbow, gostei de Franz Ferdinand e Primal Scream (uma coisa inédita na minha vida – agora tentarei dar mais uma chance a eles), adorei o estlinho de brincadeira de CMom CMom, do The Von Bondies – mesmo tendo lido que essa é a única música da banda que presta. The Dandy Warhols e Michael Nyman são relamente espetaculares.

A fotografia é brilhante. Uma das melhores do ano. Cenários também, principalemnte da área gélida apresentada. Grande filme. A nota está subindo.

E toda aquela metáfora com a Antártida também é bem legal. Nem tudo está perdido.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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