Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Água Negra

Walter Salles dá as caras nesse gênero que não é muito sua praia. Apesar disso, agrada bastante, mesmo ele tendo assumido que não gostou nenhum pouco do resultado.

A onda de adaptações dos suspenses orientais começou com o ótimo "O Chamado". Depois dele, várias outras vieram e não conseguiram atingir a meta de serem superiores ao seu antecessor. A verdade é que fora "O Chamado", nenhuma outra adaptação conseguiu ser melhor do que o original. O suspense oriental consegue, acima de tudo, causar um temor em cada um que o assiste, muitas vezes, levando a ser chamado de louco, com suas histórias pra lá de anormais, com temas bastante assustadores e com um orçamento tão baixo que deixa muita produção hollywoodiana com o queixo no chão. Isso até agora, quando o fabuloso Walter Salles resolve se infiltrar nesse mundo tão acessível, mas ao mesmo tempo tão difícil de agradar. "Água Negra" nada mais é que uma nova adaptação. De início já percebemos ser outro filme repleto de clichês, com uma história sem nexo e com uma criança fazendo o papel de vilão. Até agora é tudo verdade, mas o diferencial que "Água Negra" possui em relação aos outros, é por deixar o lado sobrenatural da história em segundo plano por uma boa e significante parte do filme.

O longa aborda um drama familiar comum em toda cidade grande: pais separados lutando pela guarda da filha. Durante grande parte do filme, o tema central é a luta e a força de vontade que Dahlia (Jennifer Connely) tem de cuidar de sua filha de apenas 6 anos, Ceci (Ariel Gade) contra o poder de persuasão de seu ex-marido Kyle (Dougray Scott). Dahlia, no entanto, sofre de fortes enxaquecas e pesadelos que roubam boa parte de seu sono, ponto fraco que Kyle atinge para ter sua filha de volta. Quando Dahlia resolve se mudar para Nova Iorque com Ceci, tudo parece se voltar contra elas. O novo apartamento alugado literalmente parece querer desabar sobre suas cabeças. A partir daí, tudo piora e se transforma numa verdadeira bola de neve na vida de Dahlia.

Walter Salles foi bastante inteligente ao entrar de cabeça nesse drama familiar. A loucura que vira a vida da personagem de Jennifer Connely com todas as dificuldades e obstáculos é literalmente um suspense de fazer chorar. Isso não é ironia. É comovente assistir a batalha que elas têm que enfrentar, e quando tudo parece estar ruim, coisas sem explicação começam a acontecer. É nesse ponto que o filme passa de um drama para um suspense. O misto foi perfeito. Depois de metade de filme de angústia, você passa para o susto. Uma seqüência de acontecimentos bem trabalhada que encerra-se num desfecho agradável.

Jennifer Connely faz o papel que melhor lhe cabe. Nada como um ótimo drama para elevar o seu status de grande atriz. Fora ela, a outra protagonista é a pequena Ceci, vivida pro Ariel Gade. Ariel às vezes parece um pouco apagada por trás de Jennifer, e não consegue roubar a cena em nenhuma parte do filme. Presença notável para o sempre absoluto John C. Reilly na pele do Sr. Murray. Reilly veste como ninguém a carapaça de homem sarcástico e picareta, como seu recente trabalho em "Criminal". Sua atuação é tão presente que até mesmo quem assiste, sente repulsa pelo seu personagem. Tim Roth é Jeff Platzer, advogado contratado por Dahlia que resolve se aventurar como detetive. Tim faz uma participação leve como um homem que luta para alcançar um patamar de bom advogado e que vê no caso de Dahlia um ótimo pontapé inicial. Dougray Scott no papel de Kyle consegue ser difícil e até mesmo chato em alguns momentos, nada mais que isso. "Água Negra" reuniu um elenco de peso que desde o início, é certeza de ótimas atuações, dando assim alguns pontos positivos ao filme.

O roteiro adaptado do romance de Kôji Suzuki por Hideo Nakata é razoavelmente bom, com muitos clichês e pecando em algumas situações tolas e incrivelmente absurdas. Nem mesmo a intervenção de Walter Salles consegue se safar de tais situações. Destaque maior para as reviravoltas que acontecem durante o filme. Hideo Nakata dirigiu os suspenses orientais "Ringu" e "Ringu 2", assim como o original de Walter Salles, "Honogurai Mizu no Soko Kara". Hideo recentemente decepcionou na direção de "O Chamado 2", mostrando que sua veia é mais forte para escrever do que para dirigir.

Mais um suspense para o deleite de milhões de fãs do gênero pelo mundo. Desde "O Chamado", não tínhamos um filme desse gênero tão bem trabalhado, podendo ser considerado um drama de início. Salvo pelas atuações, fotografia e visão do grande diretor, "Água Negra" é um suspense sem pretensão e longe do status de superprodução. Talvez uma pequena aventura para Walter Salles, mas ao contrário do que ele acha, o resultado é ótimo.

Bruno Sales
@rmontanare

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