Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 08 de agosto de 2005

Amnésia

Com a estória sendo contada de trás para frente, a sensação que se tem é que o diretor quis transmitir com esse recurso, a visão, a angústia e o desespero que o protagonista tem em seu percurso. É uma aposta arriscada, mas que não compromete o filme se o espectador se prestar a dar uma atenção a mais na trama.

Você já viu esse filme: um homem que viu sua mulher sendo violentada e morta, vai atrás de vingança. Ah! Você também já viu esse outro filme: um homem acorda em um quarto de hotel, não se lembra quem realmente é e/ou de onde veio, e daí decide empreender um busca incansável atrás de sua identidade. Então, o que esses dois dos mais “batidos” enredos se tratando de cinema podem trazer de novo? Bem, se tratando de enredo, realmente nada ou quase nada. Mas se tratando de narrativa, aí sim a coisa é diferente. E foi isso o que mostrou o diretor Cristopher Nolan (Batman Begins) ao adaptar o conto chamado Memento Mori, do seu irmão Jonathan Nolan.

Literalmente, “memento mori” é uma expressão latina que significa “lembre-se da morte” ou ”lembre-se que hás de morrer”. O filme, no original em inglês, ganhou apenas o nome de Memento – algo como “lembre-se” – e por aqui ficou mesmo Amnésia. Conveniente, mas não tão coerente, já que a condição da estória é mais peculiar.

Leonard Shelby (Guy Pearce de Los Angeles – Cidade Proibida) é um ex-investigador de seguros que busca vingança pelo estupro e morte de sua esposa. Nesse incidente, na luta contra um dos agressores, ele perde a capacidade de se lembrar de fatos novos. Isto é, aliás, isto NÃO é amnésia (a perda total da ou parcial da memória), pois ele se lembra de tudo relacionado à sua vida. Só não consegue lembrar por muito tempo de fatos recentes ocorridos após o trauma.

Ok, então a questão é um cara com essa incomum doença tentando pegar o bandido? Basicamente, se não fosse o trunfo. A estória é contada de trás pra frente, seguindo a linha de tempo ao qual Leonard leva para esquecer um ocorrido. A sensação que se tem é que o diretor quis transmitir com esse recurso, a visão, a angústia e o desespero que o protagonista tem em seu percurso. É uma aposta arriscada, mas que não compromete o filme se o espectador se prestar a dar uma atenção a mais na trama.

Guy Pearce faz uma interpretação equilibrada. Não precisa apelar ao sentimentalismo de viver um viúvo justiceiro “doentinho” para marcar o personagem. Ele manda a mensagem quando se é pra perceber a eterna dúvida que Leonard carrega dentro de sua desestruturada cabeça. No entanto, seu curioso personagem nos faz levantar várias questões. Exemplo: como ele (Leonard) se lembra que possui tal doença? Aí entra um destaque, para se lembrar de fatos marcantes, como pistas sobre o assassino, o motivo de sua jornada etc., Leonard tatua seu corpo tornando-o um grande bloco de anotações. Também utiliza uma câmera Polaroid para registrar visualmente aquilo de maior relevância. E claro, conta com alguns contatos pessoas. Natalie (Carrie Anne-Moss – particularmente bonita nesse filme) e Teddy ( Joe Pantoliano ) são exemplos desse ultimo.

Pantoliano merece uma atenção especial. Com certeza você deve pensar que não o conhece, mas já o viu em papeis secundários em longas como O Fugitivo (1993), Ninguém Segura esse Bebê (1994) e Matrix (1999 – ele fazia o Cypher). Daquele tipo “quase-não-apareço-pra-depois-trair-todo-mundo” ou então “estou-aqui-pra-dizer-tudo-vai-dar-certo” e que depois vai embora. Em Amnésia não. Ele imprime uma densidade à trama que parece insubstituível. Eu li que o primeiro ator sondado pelo diretor Chris Nolan para interpretar Leonard foi Alec Badwin. Podemos sinceramente até pensar nesse caso, mas não se pode pensar isso em relação ao Pantoliano.

No encarte do DVD de Amnésia, há referências de contribuições espetaculares para a trilha sonora. Ele cita que bandas como Paul Oakenfold e Moby participam, no entanto (por favor, me alertem se estiver errado) não percebi nada deles no decorrer do filme. Eles estão presentes apenas em um CD da trilha sonora tão obscuro, que até na Amazon.com é difícil de se encontrar. Soube, inclusive, que a música "Paranoid Android", da aclamada banda inglesa Radiohead, estava cotada para tocar nos créditos, mas custava relativamente caro para os produtores conseguir a permissão dela para um filme do porte de Amnésia.

Nada que comprometa a apreciação dessa ousada pancada cinematográfica. Só um aviso: se não entender da primeira vez que ver, você não foi o único. Se não entender da segunda: acontece com todo mundo, basta usar a opção “AMNÉSIA?” na guia EXTRAS para ver o filme da forma padrão. Mas se não entender da terceira: volte à locadora e alugue algum da Disney. Só espero que não se choque.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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