Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Cazuza – O Tempo Não Pára

Irreverente, desbocado, louco ... e além de tudo, gênio. 'Cazuza - O Tempo Não Pára' retrata a vida de um dos maiores poetas do rock nacional de todos os tempos.

Quando saíram as primeiras notícias que um filme que retratava a vida de Cazuza estava sendo produzido, eu fiquei contagiado. Não por apenas eu ser um grande fã do poeta, mas sim porque muitas pessoas, jovens principalmente, que não tiveram a oportunidade de ver ou escutar algo sobre Cazuza, finalmente teriam a oportunidade de acompanhar um pouco da "vida furacão" que ele possuía.

Instável e desafiador, mas também extremamente sedutor, ele vivia sua confortável vida de garoto da Zona Sul sob a cerrada vigilância da mãe, Lucinha Araújo (Marieta Severo) e do pai, João Araújo (Reginaldo Faria). Sua urgência transgressora que não conhecia limites se refletia em todas as áreas de sua vida – nas relações afetivas, nas novas experiências, no amor pelo perigo, na criação artística. E ele logo descobriu que a música era a melhor maneira de expressar essa urgência que não tinha começo, não tinha fim, não tinha foco. Cazuza vivia tudo ao mesmo tempo ao lado de sua tchurma – uma tchurma eclética e heterogênea que refletia vários lados de sua própria personalidade.

O encontro com os Barões – o guitarrista Roberto Frejat (Cadu Favero ), o baixista Dé (Arlindo Lopes), o baterista Guto Gofi (Dudu Azevedo ), o tecladista Maurício (André Pfefer) – músicos de sua idade a procura de um novo som, foi a primeira etapa de sua vitoriosa carreira de letrista. Junto com os Barões, Cazuza viaja, conhece o Brasil, vive novos afetos. Para atenuar a intensificação de conflitos familiares, é intimado a trabalhar com o pai, diretor de uma gravadora, onde conhece Zeca (Emílio de Mello), produtor musical experiente, que se transforma em uma espécie de guru que lhe apresenta novos autores e poetas. O jovem inquieto passa a surpreender com letras de alta densidade poética, que definiam sentimentos e idéias para a sua própria geração, até então, sem porta-voz. A apoteótica apresentação do Barão Vermelho no 1º Rock in Rio em 1985 era a prova de que aqueles jovens que cresceram sob a ditadura podiam finalmente cantar "para o dia nascer feliz".

O diagnóstico de que era portador do vírus HIV foi recebido pelo jovem artista com desespero, seguido da busca de novas formas de tratamento para uma doença que na época representava uma sentença de morte a curtíssimo prazo. E foi justamente sob esta condenação que Cazuza deu provas de uma coragem sem precedentes no país: expôs a doença e sua deterioração física, apresentou-se em público, em shows comoventes, não abriu mão dos poucos prazeres que lhe restavam, disposto a viver o tempo que tivesse como sempre quis: fiel a si mesmo e aos seus sentimentos. No curto futuro duvidoso que viveu, Cazuza nunca mentiu para si mesmo ou para as pessoas que amava.

No papel de Cazuza temos o estreante Daniel de Oliveira, que eu particularmente vi dando seus primeiros passos para o grande público no seriado global Malhação. Nunca que poderíamos imaginar até onde conseguiria chegar, de fato. Daniel de Oliveira foi selecionado entre 60 atores para ser o intérprete de Cazuza. E cumpre a premissa. Dá um show de interpretação. Fisicamente falando, ele é a foto-cópia de Cazuza. Idêntico. Poucas vezes, alias, nunca vi uma retratação de personagem tão fiel e original. Ele se preparou durante 1 ano para interpretar Cazuza no cinema. Neste período teve aulas de interpretação, expressão corporal e voz. Para a última fase de Cazuza (muito emocionante por sinal) no filme o ator precisou perder 12 quilos. E algumas comparações de imagens, se prestar atenção, irá notar que não há diferença. Até os traços do rosto são parecidos.

Infelizmente o filme não consegue acompanhar o nível alto que Daniel de Oliveira desempenha e muito menos, consegue transparecer com qualidade a comparação de épocas. A mesclagem de imagens com os shows são uma desgraça. Os diretores Sandra Werneck e Walter Carvalho não se decidiram o que realmente queriam. O pior de todos foi o Rock in Rio 85. Uma montagem sem o mínimo de qualidade. E além do mais, o palco que foi criado para parecer com o do evento, é no mínimo esdrúxulo (digno da seção pérolas). Não tem nada haver, principalmente se falarmos da arquitetura. Tirando essas desgraças que foram as misturas dos shows, o filme não compromete. Desenrola fácil e dá até pra engolir as seguidas frases e indagações que colocaram para Daniel de Oliveira falar, que respondia sempre a alguma coisa com trechos pré-prontos. Um espécie de mestre dos magos do rock.

A censura de 16 anos para assistir ao filme tem até uma certa razão. É um filme de realidade. Mostra o uso de drogas excessivamente, álcool e muita orgia sexual entre heterossexuais e bissexuais. Estes fatos ficam ofuscados quando as músicas do mestre tocam. É impressionante notar, olhar e escutar o quanto às pessoas ainda conhecem Cazuza. Eu olhava para os lados no cinema e todo mundo cantava com fervor "O Tempo Não Pára", "Eu Preciso Dizer Que Te Amo", "Faz Parte do Meu Show" entre outras. Foi contagiante. Emocionou a muitos. Não era surpresa ver alguém chorando durante a exibição. "Exagerado", sem dúvida. Mas era impossível não se emocionar com os altos e baixos da vida furacão e louca de Cazuza.

É tão bom ver que mesmo este filme ter sido lançado há algumas semanas, as salas onde está sendo exibido o filme, estão completamente lotadas em todas as sessões. Parece até um blockbuster americano. Cazuza merece todas as congratulações. Não por ter usado drogas e ter feito inúmeras coisas erradas. Mas sim, por ter vivido. Fico feliz por ter feito parte do final da geração Cazuza. Quem sabe não vem algum filme falando de Renato Russo … e porque não, Raul Seixas. Eu, particularmente, sou fã absoluto desses dois últimos.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

Compartilhe

Saiba mais sobre