Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de abril de 2005

Clube dos Cinco, O

Esse filme é, sem duvida, uma grande provocação à professores, pais e alunos. Não só isso, uma provação a todos aqueles que, de tanto se esconder em múltiplas máscaras, acabam perdendo a (idéia) do que verdadeiramente são.

Uma tribo urbana é denominada pela Sociologia como um conjunto de comunidades de descendência comum que falam a mesma língua e possuem costumes, tradições, normas, ritos e instituições comuns. É uma organização social bem antiga em que seus membros podem comungar da mesma espécie de pacote de gosto musical, ídolos, roupas e acessórios. É uma forma de sinalizar aos outros o que se é – ou não. Pode ser também a expressão sem compromisso da preferência momentânea por uma moda ou por um determinado artista. Na maioria das tribos, os membros parecem se comunicar através de uma linguagem própria (gíria) e com gestos bem característicos. Caso não se comportem como esperado, passam a ser motivo de chacota e de perseguição. E é sobre tal imposição da sociedade, juvenil e adulta, que se trilha a narrativa do memorável O Clube dos Cinco (Breakfast Club), do cineasta americano John Hughes.

Filmado na efervescência dos anos 80, a velha [e boa] sessão da tarde marcada pelo O Clube dos Cinco nos mostra uma das caracterizações educacionais de uma época não muito diferente da atual. Apesar da distância do tempo, notamos que pouca coisa mudou na ideologia juvenil de lá para cá. Não podemos desconsiderar o fato de que trata-se de um outro ambiente, ali, americano. Mas é também um drama visto por qualquer comunidade urbana (talvez até rural), quando diz respeito a terrível necessidade de aprovação que muitos de nós sentimos nesse mundo caótico em que vivemos.

O filme narra o castigo de cinco estudantes “indisciplinados” que são punidos com a permanência de um dia inteiro no sábado, dentro da biblioteca da escola. São cinco os alunos e são cinco os tipos, cada um abissalmente diferentes um do outro. Na biblioteca, os alunos são obrigados pelo patético e carrasco diretor Mr. Vernon a fazerem uma redação sobre o “o que eles são”. E aqui faz-se oportuno redigir a carta escrita pelo cérebro da turma, Brian (Anthony Michael Hall):

“Caro Sr. Vernon,

Aceitamos o fato de passarmos o Sábado no castigo por o que quer que seja que tenhamos feito errado. O que fizemos foi errado. Mas aceitamos que o Sr. É louco por nos passar uma redação descrevendo quem achamos ser. Desde quando se importa? O Sr. nos vê como quer ver. Nos termos mais simples, as definições mais convenientes. O Sr. nos vê como um cérebro, um atleta, uma louca, uma princesa e um criminoso. Certo?"

E assim somos introduzidos aos personagens-tipos da narrativa: o atleta Andrew (Emílio Estevez); o CDF Brian (Hall), o delinqüente e destemido John (Judd Nelson); a “rainha Claire” (Molly Ringwald) e a sombria Allison (Ally Sheedy, em inesquecível interpretação). No começo, tamanha diferença provocará atritos e muita confusão entre os jovens. Mas, enquanto o dia vai passando, eles vêem que, na verdade, são muito parecidos.

Se formos analisar os estereótipos neste grupo, começaríamos pelo nerd Brian, que falhou em um de seus projetos científicos. Um projeto que, de acordo com ele, deveria ser o mais simples do mundo, já que consistia no simples ato de fazer funcionar um abajur ao acionar a trombeta de um elefante. Brian, que até então nunca havia fracassado em uma disciplina, tira nota zero, o que faz cair drasticamente o seu índice de rendimento escolar. A verdade é que a pressão que o mesmo sofre da família é tão grande, que Brian passa a intentar sua própria morte. Compra uma arma para dar cabo à sua vida, mas a mesma dispara dentro de seu armário. Era um sinalizador.

Mãe: – Esta é a primeira ou a última vez que fazemos isso? Trate de estudar, viu?
Brian: – Não precisamos estudar. Não temos que fazer nada.
Mãe: – Pois trate de descobrir uma boa forma de estudar!

(* Diálogo entre Brian e sua mãe, no momento em que ela o deixa na porta da escola)

Andrew (Estevez), o segundo personagem-tipo apresentado, é o atleta do grupo que sempre se esforça para ser o melhor da turma (no quesito esporte) só para agradar seu pai. Este, que por sua vez, vive influenciando seu filho com conselhos absurdos tais como um verdadeiro “número um” (um “machão”, como nas músicas de Gabriel, O Pensador) deva se comportar. Atormentado pela pressão do pai, Andrew acaba por agredir violentamente um colega de sala, passando cola por todo o seu corpo.

Pai: – Eu aprontei. Homens aprontam, não há nada de errado nisso. Só que você foi apanhado.
Andrew: – mamãe já brigou comigo.
Pai: – quer ficar fora do jogo? Quer perder a bolsa? Nenhuma universidade vai dar uma bolsa para alguém com problemas disciplinares.

(* Diálogo entre Andrew e seu pai, no momento em que ele o deixa na porta da escola)

A terceira personagem é a esquisita Allison (Sheed), que se veste toda de preto, com a meias diferentes, cabelo despenteado, cobrindo os olhos, estes, por sua vez, carregados de sombra e lápis preto. Inicialmente, não fala com ninguém, adora chamar a atenção dos demais colegas com seu jeito um tanto quanto diferente. Ao contrário dos colegas, ela não está ali para castigo. Mas sim para se entreter e diminuir o tédio que sente enquanto está em casa, na companhia de uma família que aparentemente a ignora por completo. Pelo menos é o que podemos deduzir a partir do momento em que seus pais a deixaram na escola.

A quarta personagem apresentada é Claire (Ringwald), uma garota rica que se auto proclama “a mais popular" da escola. Convencida ao excesso, ela demora muito tempo para aceitar a punição que, para a sua infelicidade, não foi anulada pelo poder de persuasão do pai que, por sua vez, a contenta com um par de brincos de brilhantes.

Claire: – Não acredito que você não possa me tirar dessa! É um absurdo eu estar aqui no Sábado.
Pai: – Matar aula para fazer compras não é um crime (e oferece a filha mais presentes). Tenha um bom dia!

Por fim, vemos o mais subversivo dos personagens. O “criminoso” Bender (Nelson), que mora com um violento pai que sempre o agride fisicamente e moralmente. Ele, logicamente, vem sem a companhia da família (já que esta o despreza demasiadamente). Ao chegar na biblioteca, começa a intimidar os presentes, inclusive o diretor.

Nos primeiros minutos de detenção, os alunos tentam se manter isolados, evitando qualquer tipo de aproximação entre eles. Contudo, enquanto a manhã vai passando, eles vão passando por uma grande aventura juntos, iniciada pelas provocações do Bender, que satiriza o modelo de família perfeita do Brian, da família rica da Claire, provoca incansavelmente o nervoso Andrew. Só não mexe com a Allison porque ela realmente demora a estabelecer um contato com o grupo. Contudo, convém frisar que a análise de grupo começa a partir do momento em que Bender pára de fazer chacota da família dos colegas, e passa a representar um diálogo entre ele e seu pai, que o xinga de todas as piores maneiras, e completa com uma agressão física, marcado, para aqueles que não acreditam nele, no seu braço por uma marca de charuto: castigo que recebeu ao derramar tinta na garagem.

Daí as revelações. Briam e Andrew são naturalmente incentivados a falar sobre os seus problemas, ao contrário da Claire, que precisou ser instigada pela esquisita Allison para revelar a sua virgindade, assunto temido tanto por Claire quanto pelo tímido Brian. “É como uma faca de dois gumes. Se disser que não [se disser que é virgem], é puritana; se disser que sim [que já fez sexo], é uma vadia”, provoca Allison, que para convencer a Claire de revelar sua sexualidade, mente ser ninfomaníaca.

Do outro lado vemos Andrew confessar que sofre pressões negativas por parte do pai, que acha que a virilidade de um homem encontra-se na promoção de qualquer violência gratuita. “Eu torturei o pobre do garoto porque pensava que meu pai me achasse bacana. Ele vivia falando de quando estava no colégio. De todas as loucuras que costumava fazer. Fiquei com a sensação de que ele estava decepcionado porque eu nunca aprontava para cima de ninguém. Então, estava sentado no vestiário, enfaixando o joelho com fita adesiva, e o Larry estava tirando a roupa perto de mim. Ele é meio magrinho, fraco, e comecei a pensar no meu pai, na postura dele, em fraqueza… quando eu vi, estava em cima do garoto, enfiando porrada, e meus amigos estavam rindo e me encorajando. E depois, quando estava na sala de Vernon, eu só conseguia pensar no pai do Larry, e no Larry tendo que ir para casa e explicar o que havia acontecido. Em sua humilhação, na puta humilhação que deve Ter sentido. Deve ter sido inacreditável. Como se pede desculpas por algo assim? Não há como. Tudo por causa de mim e meu pai. Deus, como o odeio!”, revela o envergonhado esportista n.1 da conceituada escola.

Outro ponto importante que foi apresentado no filme foi em relação ao que iria acontecer na segunda-feira: afinal, o que iria acontecer quando todos se reencontrassem nos arredores da escola? Continuariam amigos ou adotariam a indiferença? A pergunta levantada pelo meigo Briam inquieta a todos. Ele, que pertencia ao clube de matemática, de latim e de física, diferentemente do clube das luluzinhas da princesa Claire; do clube dos esportistas, do robusto Andrew; ou do grupo dos marginais, do polêmico Bender; acostumara-se a ficar oculto no vai e vem das badalações colegiais, bem como Allisson (também sem amigos), que responde: “se eu tivesse amigos, conversaria com você normalmente, já que os tipos de amigos que eu tivesse nunca iriam se incomodar”. Claire, a única do grupo que diz que provavelmente não conversaria com ninguém, confessa haver uma diferença vergonhosa e oculta que pesa muito mais do que qualquer amizade… a aparência ainda é o mais importante.

E diante tudo isso me vem a pergunta: seriam os jovens incapazes de raciocinar logicamente? Todos seus comportamentos devem ser desconsiderados porque eles ainda não alcançaram a idade madura de responder por seus atos? Sendo assim, o que nos faz crer que são os adultos mais coerentes em suas atitudes? Seria porque conseguimos ocultar o que sentimos de forma mais natural, em detrimento de um falso sorriso e aperto de mão? O que são aqueles garotos? Um reflexo do que fomos ontem, do que somos hoje e do que seremos amanhã! Seres em eterno conflito, não porque não se pode ter todas as respostas, mas porque somos forçados a agir como formigas, ignorando o que está ao nosso redor e, até mesmo, em nós mesmos!

Como conclusão, gostaria de dizer que este filme mostra, sinteticamente, os tipos de personalidades de adolescentes vistos em qualquer escola, sendo ela da rede de ensino público ou privado. Talvez o “quê” de universal seja justificado pelo fato de que ele, na verdade, nos mostra que dentro de cada jovem há um pouco de “princesa”, “de machão”, de “esquisito”, de “criminoso”, e de “nerd”.

Esse filme é, sem duvida, uma grande provocação à professores, pais e alunos. Não só isso, uma provação a todos aqueles que, de tanto se esconder em múltiplas máscaras, acabam perdendo a (idéia) do que verdadeiramente são. Se pudermos extrair alguma lição do filme, esta seria que as pessoas podem vir de diferentes níveis culturais e sociais, ter diferentes talentos e nacionalidades, mas não podem negar terem vivido tormento semelhante a cada adolescente visto no filme…

“Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”, já nos lembra a boa música! Quem é que vai dizer o contrário?!

Sem mais comentários.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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