Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de agosto de 2005

De Amor e De Sombras

O filme possui uma produção fraca e peca em muitos detalhes na tentativa de adaptar a obra. Entretanto, houve cenas que se assemelharam bastante aos capítulos do livro, ainda que, deixando imensos buracos em seu roteiro.

Baseado na obra de Isabel Allende, o filme é um drama que conta à história de um romance vivido entre dois personagens, Irene e Francisco, que se amaram além do contato físico homem e mulher, ou seja, o amor deles transpassou as barreiras do egoísmo natural entre jovens apaixonados. Como diz a própria autora do livro: “romperam as barreiras da existência vulgar de sua época”.

O filme retrata o horror da ditadura chilena e o surgimento da história de amor entre um homem e uma mulher, além de um forte sentimento de compaixão por sua pátria. Ao mesmo tempo em que a personagem de Irene vai descobrindo o amor em Francisco, ela vai abrindo seus olhos para a situação de seu país e percebendo um mundo muito diferente daquele vivido dentro de sua casa e sua revista.

Irene Beltrán (Jennifer Connelly) é uma jovem e ambiciosa jornalista de uma revista feminina que tratava de assuntos apolíticos e tentava viver sem pensar na situação de crise vivida naquele momento em seu país. Isso explica seu aspecto meio que alienante no começo da história. Francisco (Antonio Banderas) é um jovem que veio de uma família engajada em assuntos políticos, cujo pai e mãe vieram da Espanha exilados devido a ditadura franquista e encontraram no Chile um novo lar. O jovem é um psicólogo que não consegue trabalhar em sua clínica e teve que fechá-la por causa da situação de miséria de seu país, resolvendo buscar emprego em outras atividades, encontrando assim a profissão de fotógrafo, uma de suas paixões além da política e psicologia. Como tal, busca emprego na revista de Irene Beltrán, onde então os dois se conhecem.

Basicamente a história é resumida assim. Beatriz Beltran, mãe de Irene, é uma mulher que não se preocupa com a situação política de seu país. É fútil e só pensa em manter sua posição social elevada, querendo assim casar Irene com seu primo, Gustavo Morante, um oficial de alto escalão. Os dois namoravam e estavam prometidos um ao outro desde a infância. Irene, inicialmente demonstra ser apolítica, entretanto, não possui essa preocupação de classe social como sua mãe. É uma jovem de modos e hábitos simples. A família Leal é composta pelos patriarcas Professor Leal e Hilda Leal e dos irmãos José, Xavier e Francisco. Uma família que teve suas gerações marcadas pelo exílio e pelas ditaduras franquista e chinela. De maneira relatada no filme muito sutilmente, mas que é de suma importância para entender o envolvimento de Irene com os assuntos políticos, o caso da Evangelina. A mocinha que supostamente dita como santa, possuía poderes estranhos e estava chamando a atenção de toda a cidade. Caso que Irene e Francisco começam a investigar e a partir daí começam a desvendar uma série de crimes perversos e obscuros envolvendo os militares daquele país.

O filme possui uma produção fraca e peca em muitos detalhes na tentativa de adaptar a obra. Entretanto, houve cenas que se assemelharam bastante aos capítulos do livro, ainda que, deixando imensos buracos em seu roteiro. Sabemos que uma adaptação totalmente fiel de uma obra é praticamente inviável, pois existem aspectos diferentes da linguagem literária e a linguagem cinematográfica. Porém, o filme frustra em alguns momentos, aqueles que buscaram encontrar um conteúdo mais aprofundado na película. Alguns aspectos, como a pouca profundidade em diálogos e muita expressão facial que torna o filme menos impactante do que deveria ser, mediante a beleza dramática da história.

Para as pessoas que leram o romance, o filme é claro, porém muito resumido. Existem cenas fiéis ao livro em toda sua dimensão. A cena de amor vivida pelos personagens de Irene e Francisco abusou da expressão e nesse momento, esta se fez totalmente necessária, dispensando qualquer diálogo. Devido a cena anterior de cunho chocante, a cena de amor ameniza o grau de sofrimento vivido pelos personagens e leva essa emoção até o público. No livro, essas duas cenas são bem mais detalhadas e em minha opinião, deveria ter sido mais explorada no filme. Não foi, contudo, foi fiel.

Sobre os personagens, é possível afirmar que foram bem representados pelos atores. Antonio Banderas deu a Francisco um dos personagens principais, um ar revolucionário e ao mesmo tempo carinhoso. Buscou ser fiel ao personagem do livro. Jennifer Connely é a própria Irene Beltrán, o figurino, o cabelo, o jeito de falar, a beleza meio que selvagem da jovem, tudo isso nos leva a personagem literária. O personagem de Mario, o homossexual, foi vivido maravilhosamente pelo ator Patrício Contreras, a meu ver, a melhor interpretação do filme. Creio que as adaptações feitas pelos principais atores foram boas (nada demais do esperado), apesar de algumas interpretações fracas, que não vem a ser de muita importância e nem prejudica o elenco como um todo.

O filme deixa imensos vazios na história e em muitos momentos, aquele que não leu ao livro pode ficar sem compreender muita coisa devido a essa pouca intensidade no roteiro. Na preocupação de contar toda a trajetória dos personagens, a película fica perdida em meio aos próprios personagens e termina por não detalhar fatos importantes, deixando espaços e tentando preenchê-los com expressões meio que desnecessárias. É uma história bonita e mesmo pecando em tudo o que já foi falado, não deixa de relatar algo importante para nossa história, às atrocidades da ditadura chilena e o descaso da classe média diante esse horror.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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