Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 29 de abril de 2005

Edukators

Recomendo que assista a esse filme o quanto antes e sintam a inexperiência e a ingenuidade de uma geração que nasceu sob a sombra do capitalismo, mas que tenta, a todo custo, desvencilhar-se das amarras impostas por este sistema econômico.

Sonhos, utopias, idéias revolucionárias, amor, política, amizade e lições para se carregar por toda a vida. Coloque tudo isso dentro de um rolo de filme e você terá uma obra prima do cinema, não só européia, mas universal, chamada “Edukators”.

O longa referido tinha tudo para não me agradar, mas, quando saí do cinema, me senti emocionado por ter como único vicio a Sétima Arte. Com sua sinopse e com a opinião de amigos e de outros críticos, “Edukators” figurava na minha mente como uma verdadeira ode à pseudo-esquerda política (algo que tenho verdadeira ojeriza).

Assim como em “Os Sonhadores” esse filme tem um plano de fundo altamente político, mas apenas o plano de fundo: seus questionamentos vão muito além de um simples debate acerca do malfadado “capitalismo selvagem” que assola a nossa sociedade. No belíssimo filme de Bertolucci vemos três jovens que se relacionam de forma um pouco estranha para os olhares de nossa sociedade, mas que fazem tudo às escondidas, sem maiores interferências. Já no longa de Hans Weingartner vemos três jovens que vão atuar diretamente na sociedade, ousando questionar as regras e a suposta justiça por ela imposta a seus membros.

“Os Edukators” do titulo são dois jovens que cometem atos de vandalismo em mansões. Eles as invadem durante a noite e quando os donos não estão nelas. No interior dessas mansões, os Edukators mudam os móveis de lugar e deixam mensagens de alerta e, concomitantemente, de repressão, acerca da riqueza dos moradores. Jamais roubando algo ou usando da violência, eles apenas querem que as pessoas conscientizem-se de que o mundo está em decadência e que o capitalismo é o maior culpado. Com os sucessivos atos, eles passam a ser conhecidos em todo território alemão e em parte da Europa. Tudo vai indo bem, até o momento em que uma moça entra na história e desestabiliza a amizade dos dois Edukators e, conseqüentemente, seus ideais e suas motivações.

Apesar de ter todo seu alicerce montado sobre a política, sua força jamais se limita aos discursos políticos e/ou sentimentalóides; os diálogos de “Edukators” em momento algum soam forçados ou que fazem apologia a qualquer vertente política. Eles simplesmente estão ali para mostrar-nos a índole dos personagens, e assim, fazer com que vivamos e acompanhemos os raciocínios do quarteto (além dos dois Edukators, tem a moça e um ricaço).

Hans Weingartner nos mostrou que o dito popular “quem não é de esquerda até os trinta, não tem coração; e quem é de esquerda após os trinta, não tem cérebro” é uma grande verdade. Apesar de eu ser totalmente apolítico, foi quase impossível não me empolgar com as ideologias que Jan e Peter (os dois jovens Edukators, que, de acordo com o dito citado, tem coração), mas que são facilmente questionáveis quando o terceiro homem entra na história (esse, novamente de acordo com o dito, tem cérebro). Não estou puxando sardinha para nenhum lado, apenas falando que ambos pensamentos são falhos e que precisam ser sempre regados de mais bom-senso e menos radicalismo, afinal o que é o cérebro sem o coração e vice-versa?

Ideologias à parte, o que dizer da parte técnica? O diretor alemão optou por fazer uma película crua, que faz com que você pense muito após a subida dos créditos e que saia matutando cada frase dita, cada reação dos personagens e cada suspeita sua acerca das próximas atitudes dos protagonistas.

Quanto às interpretações, fico embasbacado com a força e o poder delas. Daniel Brühl está totalmente verossímil no papel de Jan, e Stipe Erceg nos entrega a austeridade de seus rictos de tal forma que, ao olharmos seu rosto, é impossível não sentir o turbilhão de idéias e pensamentos que vem em sua mente. Para completar tem a presença feminina do filme, Julia Jentsch, a pivô do conflito entre os Edukators e, para fechar o último lado do quadrado, Burghart Klaubner, um milionário que surge na história de modo furtivo, mas que causa um verdadeiro furacão nas mentes dos três jovens.

Filmado todo em câmera digital, algo que sempre barateia o custo, “Edukators” não tem sua força apenas restrita às interpretações, direção, roteiro e atuação. A fotografia é belíssima e a trilha sonora é como se fosse um quinto protagonista, tamanho o impacto e a vida que ela dá as cenas (a primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi escutar as músicas do longa). Isso sem contar o modo seco e real que a história é contada, parecendo sempre estar com a câmera na mão, Weingartner usa e abusa dos closes fechados e tomadas que causam náuseas (algo um pouco menos realista que “A Bruxa de Blair”, mas no mesmo estilo).

Enfim, acho que já deu para perceber que ele provavelmente estará no meu Top 10 de 2005. Recomendo que assista a esse filme o quanto antes e sintam a inexperiência e a ingenuidade de uma geração que nasceu sob a sombra do capitalismo, mas que tenta, a todo custo, desvencilhar-se das amarras impostas por este sistema econômico. Cômico, trágico, instigante e extremamente real. Essas são algumas das características que ouso colocar nessa resenha, as outras são tão pessoais que variam de pessoa para pessoa. Quer um conselho? Veja o longa com o máximo de pessoas (civilizadas é lógico, ou seja, que ficam em silêncio durante o filme), e, de preferência, que tenham opiniões políticas mais variadas possíveis. A clássica discussão após o filme é garantida, e, com certeza, bem mais proveitosa do que qualquer reunião de partido ou aula de política.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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