Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 23 de abril de 2006

Encontros e Desencontros

Encontros e Desencontros mostra que Sofia Coppola, mesmo sem tanta experiência na direção de filmes, consegue manter-se firme perante a câmera, captando momentos melancólicos e descontraídos de forma magistral.

À primeira vista, Encontros e Desencontros pode parecer mais um drama com pitadas de romance feito essencialmente para agradar multidões, demonstrando, conseqüentemente, falta de conteúdo. Porém, com o decorrer do filme, é notável o quão significante é ao tratar a história de duas pessoas, aparentemente sem nada em comum, que se encontram em um lugar completamente distinto do que estavam acostumados.

No início do longa, somos apresentados a Bob Harris, interpretado por Bill Murray, um ator de cinema decadente que vai a Tóquio gravar um comercial de um uísque. Logo depois, no mesmo hotel onde Harris está hospedado, surge Charlotte, vivida por Scarlett Johansson, uma jovem formada em filosofia pela universidade de Yale, porém submissa a acompanhar o seu marido, um fotógrafo workaholic, em todas as suas viagens de trabalho. Em uma noite, quando ambos estão sem sono devido à diferença do fuso horário, conhecem-se no bar do hotel.

Os relacionamentos dos dois com seus respectivos companheiros não estão nada bem. Em toda a projeção, Bob apenas troca algumas palavras com a sua esposa a respeito da reforma em sua casa, demonstrando, assim, o sentimento de solidão constante em seu ser, que se aflora ainda mais em um país onde não conhece ninguém. Charlotte vive a maioria dos seus momentos sozinha no quarto de hotel, tentando fazer coisas aparentemente úteis, como decorar o local. Seu marido sempre está incumbido de trabalho, e, quando não, está muito cansado para dar-lhe atenção ou então encontrando amigos, fazendo com que a moça, mesmo rodeada de pessoas, sinta-se sozinha. Reside aí uma grande contradição. Quantas vezes, estando em um lugar repleto de gente, não nos sentimos sós, como se algo faltasse para nossa felicidade? Logo, Bob encontra-se envolvido pela beleza e juventude de Charlotte, enquanto esta acha no homem a tão necessária maturidade para entender suas dúvidas e anseios.

Apesar da diferença de idade existente entre Bill Murray e Scarlett Johansson, a química dos dois é inegável. Murray, ator já bastante experiente, emprega todo o seu talento no filme, transmitindo ao personagem um ar melancólico e divertido, quando preciso. Já Johansson vem demonstrando cada vez mais que tem capacidade de adquirir seu espaço no tão disputado cinema hollywoodiano.

Muito foi comentado a respeito de um suposto desrespeito para com a cultura oriental feito pela diretora Sofia Coppola, porém creio que essa não foi a intenção da cineasta. Inclusive, algumas dessas cenas são responsáveis por momentos de descontração. Para quem não está acostumado com longas sem ação propriamente dita, o ritmo pode aparentar bastante massante, beirando ao tédio. Sem uma análise delicada, algumas seqüências podem parecer facilmente descartadas, porém, ao perceber melhor, estas acabam se tornando essenciais à trama, visto que expressam períodos de solidão, tédio, ou, até mesmo, contato dos personagens principais com a cultura oriental.

Talvez a melhor cena do longa seja a final, que é quando Bob sussurra algo no ouvido de Charlotte. Para criar um clima de suspense, Coppola não deixa que o espectador escute o que foi dito. Este fato faz surgir inúmeras especulações a respeito das palavras proferidas por Bob. Será que ele disse simplesmente que ia dar tudo certo ou algo mais profundo? Bem, isso nunca saberemos.

Tendo dirigido apenas um filme antes de Encontros e Desencontros, Coppola demonstra uma direção apurada, revelando momentos que podem ser considerados sensíveis aos olhos das criaturas mais frias possíveis. Além disso, a cidade de Tóquio é muito bem abordada, fazendo com que você realmente se sinta presente no local.

Agraciado com o Oscar de Melhor Roteiro Original e com três Globos de Ouro, incluindo o de Melhor Filme – Comédia/Musical, esta produção é uma boa opção para quem gosta de filmes reflexivos, tocantes, que mostram o anseio do ser humano em busca de algo aparentemente inatingível: se encontrar em meio a uma imensidão de dúvidas.

Andreisa Caminha
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