Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de novembro de 2005

Galinho Chicken Little, O

O primeiro filme da Disney após o divórcio com a Pixar tem tudo para ser um filme potencial, mas infelizmente ele peca por focar apenas no público infantil e não conseguir fazer um roteiro mais trabalhado.

É muito ruim você ter que falar mal de uma empresa de que você sempre gostou e admirou por muitos anos. Infelizmente é o que acontece com a Disney. Quem não gostou de A Bela e a Fera? Aladdin? O Rei Leão e tantos outros? A empresa, que hoje tem franquias multimilionárias espalhadas em todos os lugares deste mundo, está cada vez mais cavando seu próprio túmulo. Podemos dizer que o império da animação gráfica que a Disney ostentava começou a ficar balançado quando surgiu a Dreamworks. Sim, a empresa de Steven Spielberg veio como que não queria nada e abocanhou boa parte do mercado com seus excelentes filmes, como Shrek. Nos últimos anos a Disney conseguiu manter o topo das produções animadas por causa de um detalhe: Pixar Animation Stuidos. Esta empresa produziu ao lado do NOME Disney, grandes clássicos da animação. Citemos alguns e suas respectivas rendas: Toy Story (lançado em 1995, cerca 362 milhões de dólares em bilheteria), Vida de Inseto (1998, 363 milhões de dólares), Toy Story 2 (1999, 485 milhões de dólares), Monstro SA. (2001, 525 milhões de dólares), Procurando Nemo (2003, 865 milhões de dólares) e Os Incríveis (2004, 623 milhões de dólares). Estes filmes renderam quase 3,5 bilhões de dólares em bilheteria, e em produtos (camisas, bonecos, fitas, DVD's, CDS de trilha sonora, etc), provavelmente rendeu cinco ou seis vezes mais.

Você deve estar se perguntando: "E cadê o diabo do Chicken Little? Essa não é a crítica do filme dele?". Calma, entenda a trajetória da Disney, que você captará a mensagem. Continuando. Com este sucesso todo da parceria Disney e Pixar, seria quase impossível alguém derrubar o reinado. Mas e se o concorrente (Dreamworks) começar a investir pesado? Foi o que aconteceu. Mesmo com todo o glamour do top da animação que a Disney até então ostentava, a Dreamworks conseguiu encostar. E, para piorar, a Pixar decidiu pedir divórcio da Disney e partir em carreira solo. Se durante o casamento, quando Disney arriscou fazer alguns filmes sem a Pixar, já não tinha mais o padrão e a magia de antigamente, imagina agora que a Pixar, seu principal alicerce, resolveu desmanchar a parceria. Infelizmente, este é o real retrato da ex-glamourosa Disney, que, tudo indica, deu com os burros n’água.

É ai que surge O Galinho Chicken Little, um filme que tinha a premissa e o fardo de ser o primeiro filme de animação da Disney sem a parceria com a Pixar. Seria um novo começo? A retomada da grande Disney no mundo da animação? É, ótima premissa, mas infelizmente não passou de um sonho, ou de uma aposta furada. O filme é fraco, bem no padrão atual da Disney. Eles não conseguiram perceber que as velhas lições de moral, eternos clichês dos seus filmes, aquelas músicas melosas e aquele fraco roteiro não conseguem mais passar despercebidos. Mais detalhes ao decorrer da crítica. Agora, conheça um pouco deste Galinho.

Já se passou um ano desde o incidente infeliz com a avelã – quando então o Galinho Chicken Little criou o maior caos na cidade de Oakey Oaks, anunciando que o céu estava caindo depois de ser atingido na cabeça pelo que parecia ter sido uma avelã. Abatido, mas não totalmente fora do jogo, o determinado galinho entra para a equipe de beisebol local na esperança de resgatar sua reputação e de conquistar o respeito do pai, Pedro Galo. Quando se torna o responsável pela vitória inédita do time dos Avelãs, ele se torna o novo herói da cidade.

Mas logo depois que o galinho campeão redime a sua imagem, ele volta a ser atingido na cabeça. E, desta vez, o céu está mesmo caindo! Temendo ser tachado de louco outra vez, ele decide não dar o alerta sobre o que está acontecendo. Ao invés disso, solicita a ajuda de seus melhores amigos – Raspa do Tacho, Hebe Marreca (que vive sendo chamada de “Pata Feia”) e Peixe Fora D’Água. Juntos, eles vão tentar salvar a cidade sem provocar uma nova onda de pânico.

História bem básica e boba. É fácil ver as crianças se entretendo com o filme, e os adultos bocejando. Todo filme de animação que se preze não pode ser feito apenas para o público infantil. Porque Os Incríveis ou Procurando Nemo conseguiram agradar a todo os tipos de públicos? Pois é, uma fórmula extra da Pixar. Agora sejamos justos: que personagens espetacularmente carismáticos! Impressionante como, neste quesito, a Disney continua impecável. Começando pelo Galinho (voz de Zach Braff), que tem um visual já carismático. Pequeno, tem a cabeça gigante, usa óculos e é todo desajeitado. É quase um “nerd indie”. Ele possui toda uma ginga para se livrar dos problemas, além de ser um excelente dançarino. O que ele tem de pequeno, ele tem engraçado. Sem falar da animação, que está bem acima da média. Herança da Pixar.

Logo em seguida temos vários personagens importantíssimos para o filme. O cineasta veterano e humorista polivalente Garry Marshall (Uma Linda Mulher, O Diário da Princesa) empresta sua voz inconfundível a Pedro Galo, o pai frustrado do Galinho Chicken Little e ex-astro do beisebol. A atriz Joan Cusack acrescenta carinho e comédia ao desempenho vocal de Hebe Marreca (sempre chamada de “Pata Feia”), uma boa amiga que sempre tem algum bom conselho a dar. Steve Zahn (Sahara e Happy, Texas) dubla Raspa do Tacho, um porco ansioso de meia tonelada que ainda assim é o menor de toda a sua família. Dan Molina, montador do filme, criou os sons não-verbais do Peixe Fora D’Água com o auxílio de um garrafão de água mineral e um canudo (este é o melhor personagem do filme, simplesmente hilário). A rival do Galinho Chicken Little, a Raposa Rosa, é dublada por Amy Sedaris, estrela de seriados populares como Sex and the City e Strangers with Candy.

Se não fossem todos estes personagens bem bolados e com histórias particulares cativantes, o filme cairia na desgraça. Estes personagens são ótimos para gerar um lucro para Disney, com produtos variados. Quem sabe assim a Walt Disney Feature Animation consegue contratar alguns empregados ou cabeças pensantes da Pixar, porque o supra-sumo da história é muito fraco. Essa mania da Disney de sentir-se obrigada em dar lições de moral em todos os seus filmes é o principal pecado da empresa. Juntando com suas canções melosas e mal-empregadas para os acontecimentos do filme, tudo acaba ficando uma lástima. É uma pena que personagens tão bem construídos não consigam fazer o fraco roteiro funcionar. Não é culpa deles, mas sim dos roteiristas Steve Bencich & Ron J. Friedman, e Ron Anderson. A história de Dindal e Mark Kennedy até tem uma premissa boa, mas este excesso de roteiristas prejudicou no seu conteúdo final. Mesmo assim, foram bem sacadas as referências a outros filmes, como: Guerra dos Mundos, Indiana Jones e até Star Wars.

A trilha sonora possui algumas músicas interessantes, que inclui os sucessos mais conhecidos como ‘We are the Champions’, ‘I Will Survive’, ‘Stayin’ Alive’, ‘Ain’t No Mountain High Enough’, da Diana Ross, e ‘Don’t Go Breaking My Heart’, para citar apenas alguns. Várias outras canções de outras décadas como ‘Stir it Up’, ‘It’s the End of the World As We Know It’, ‘Lollipop’ e ‘Wannabe’ também são ouvidas no filme. O pior foi o Galinho cantando 'We are the Champions' em português, onde ele canta: "Eu sou o Champion. Eu sou o Champion". Muito feio. Daniel de Oliveira, que dubla o Galinho para o português, não convenceu. Ele é um péssimo cantor, o que prova que quando ele fez Cazuza, foi tudo montado. As outras dublagens foram razoavelmente boas. A dica seria não dublar as canções. Ficaram terríveis as duas primeiras músicas do filme dubladas.

No mais, o público que a Disney quis atingir com este filme foi o infantil. Atinge com sucesso, mas faltou visão, caso ela quisesse aumentar sua margem de lucros. O roteiro fraco a criançada não irá perceber, porque elas estarão vidradas nos personagens carismáticos. Uma pena que os adultos não conseguem ficar muito tempo só ligados nesses personagens. E quando acaba o encanto, acaba a pipoca e o saco. Você dará algumas risadas, mas esquecerá fácil. Uma pena, porque a Disney poderia ter ido além.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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