Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 29 de março de 2005

Herói

É um filme, acima de tudo, de fantasia. Mas uma fantasia tão bem construída, com cenas tão marcantes, de uma dimensão tão grande que fica impossível, depois que se entra no espírito da coisa, não sair apaixonado do cinema.

Todos nós temos que agradecer a Quentin Tarantino. Se não fosse o renomado diretor de Pulp Fiction e Kill Bill, talvez nunca tivéssemos a oportunidade de assistir a Herói em cadeia nacional. Foi ele quem chegou junto à Miramax e propôs que o filme fosse lançado sob o slogan “Quentin Tarantino apresenta…”, para atrair a atenção do público. Talvez nem fosse necessário utilizar o nome do diretor, uma vez que Herói é um filme de 2002, mas que já havia sido distribuído em DVD em diversos outros países, exibido em festivais (inclusive no do Rio e São Paulo) e já havia conquistado por um público mais restrito o status de cult.

Mas o fato é que, finalmente, podemos assistir a obra nos cinemas brasileiros. E, depois de uma sessão, afirmo: não perca por nada, mas por nada nesse mundo, o filme em uma sala com qualidade máxima de exibição. É uma pancada áudio-visual tão grande que fica difícil explicar todas as sensações que percorrem nosso corpo ao final de sua exibição. O som é forte e tem um papel importante no impacto que as belíssimas imagens criam. É impressionante como a arte foi bem pensada, com cada cor tendo o seu significado dentro do contexto, e como ela nunca parece falsa. Cada plano parece minuciosamente pensado para aproveitar ao máximo todo aquele mundo mágico construído em volta dos personagens principais.

Uma história que, por ter Jet Li no papel principal, pode dar uma impressão errada para a grande maioria do público. Não, este não é um filme de ação nos moldes que o ator costuma participar. Herói é um filme de arte, com seu mundo próprio, onde pessoas conseguem controlar seu cosmo para voar e fazer diversas outras proezas dentro de seu universo. É bom ter isso em mente, de que os personagens possuem essas capacidades, para não sair criticando o filme por algo que ele claramente expõe ser possível dentro do universo criado. O mundo real é apenas pano de fundo para que situações extraordinárias aconteçam – o que, justamente, diferencia as pessoas normais dos heróis.

É como o mundo criado em O Tigre e o Dragão ou Kill Bill, porém com uma poesia menos pretensiosa que o primeiro e ao contrário da auto paródia do segundo, pois, a todo o momento, Herói é um filme sério. E muito competente nesse sentido. Toda a mística oriental está presente, com lutas marciais empolgantes, a ambientação, o clima e cenários paradisíacos. Alguns são tão belos, mas tão belos que fica impossível não se apaixonar pela imagem que está sendo mostrada. Às vezes chega a passar pela cabeça que nada daquilo pode ser real, que não pode existir um lugar tão bonito no mundo como aquele. E o modo como o figurino e objetos de cena completam cada cantinho do cenário é impressionante. Ponto fortíssimo para a produção do longa, cuidadosa e precisa.

A história gira em torno do desejo de unificação da China por parte do tirano Qin. Ele quer derrotar todos os chefes dos outros seis reinos, afim de unir toda a China como uma unidade e, assim, construir um grande império. Por esse desejo, Qin sofre uma série de atentados a todo momento, pois as pessoas contra o ideal ou com vinganças pessoais tentam, a todo custo, eliminá-lo. É quando ele recebe a notícia de que um homem conhecido como Sem Nome (Jet Li) derrotou os três principais assassinos que tanto lhe perseguiram. Espantado, ele o convida para conhecer o responsável por tal façanha.

A partir dessa simples sinopse uma trama complexa se desenvolve com um número enorme de reviravoltas e personagens conhecidos a fundo através de constantes flashbacks na história. Através deles, descobrimos o que é verdade ou mentira na história do homem Sem Nome, mas sem nunca perdermos o rumo ou ficarmos perdidos em meio a tanta coisa dita e não dita. Méritos total de um roteiro coeso e bem estruturado, com tudo acontecendo no seu momento, e uma direção precisa que nunca deixa uma cena ser maior do que ela deveria ser, inclusive os combates. Tudo está no seu tempo, marcado com poderosas músicas e efeitos sonoros que deixam tudo ainda mais rico e completo. É uma história a altura de que toda a milionária produção merece (é o filme mais caro já feito na China, custou 30 milhões de dólares).

Jet Li aceitou uma redução brutal no seu cachê para participar deste longa – por sinal, seu melhor filme. Jackie Chan foi convidado para interpretar Qin, recusando o papel que poderia também lhe render o mesmo título. Mas não é apenas nesses dois fortes personagens que a história fixa seus olhos. Os coadjuvantes são fortíssimos, com histórias poderosas, inclusive com mais profundidade do que a de Li. Você irá conhecer bem o que Céu, Neve que Voa e Espada Quebrada, os assassinos derrotados pelo Sem Nome, pensavam e porquê agiam da forma que agiam.

Herói é uma obra-prima que só nomes como Ozu e Kurosawa conseguiram até hoje, ao reunir perfeitamente arte marcial com cinema. É necessário ir ao cinema sabendo que os personagens voarem não é algo absurdo ou irreal. Não cometa a indelicadeza de dizer que não gostou do filme por isso. Seria o mesmo que dizer que não gostou de Matrix porque não existe uma realidade alternativa, que não gostou de O Senhor dos Anéis porque não existem elfos ou hobbits, que não gostou de Homem-Aranha porque ele não existe ou que não gostou de Star Wars por ele viajar demais…

É questão de entender que aquilo é um outro mundo, e não o nosso. É um filme, acima de tudo, de fantasia. Mas uma fantasia tão bem construída, com cenas tão marcantes, de uma dimensão tão grande que fica impossível, depois que se entra no espírito da coisa, não sair apaixonado do cinema. Deixar para assistir esse filme em casa será o mesmo que perder 50% de todo o potencial técnico que ele tem a oferecer. Some isso a uma história bem construída que dá para ter uma certa noção do que há nesse filme.

É uma perfeita união de imagens, sons, cores, formas e coração.

Rodrigo Cunha
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