Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Má Educação

Eternamente apaixonado pelo cinema e com um roteiro cheio de mistérios, Pedro Almodóvar volta com mais uma clamorosa película.

O tema é a homossexualidade. Surge um tipo de relação de abordagem com uma de suas primeiras obras, “A Lei do Desejo”, em que temos a atriz mais querida do diretor, Carmem Maura, como um transexual que, quando menino, era assediado por um padre. Em “Má Educação”, Ignácio reencontra Enrique, o seu primeiro amor, depois de 20 anos. Enrique fora expulso do colégio em que os dois estudavam quando foram flagrados no banheiro pelo temido professor de Literatura, o padre Manolo.

É evidente a atração do padre pelo menino Ignácio, pois, numa ridícula atitude de ciúmes, ele expulsa Enrique do colégio. Quando os ex-pequenos amantes tornam a se ver, Ignácio – que se tornara ator e faz de tudo, inclusive usar a sexualidade como instrumento, para sair do grupo de teatro do qual participa – leva um roteiro intitulado “A Visita” para Enrique, que se tornara diretor de cinema.

“A Visita” conta toda a história dos dois meninos e do carrasco padre. Há quem diga que é uma autobiografia de Almodóvar, o que é praticamente revelado nos últimos segundos do filme. Para os fãs de “Fale com Ela”, e não de Almodóvar, o filme poderá ser uma lástima. Com uma mistura de homenagem ao cinema noir e outra a si mesmo, o diretor volta às raízes: piadas infames, sórdidas cenas de sexo e ao realismo das relações humanas. Todos esses fatores podem desagradar aos menos avisados, desconhecidos de suas fitas mais antigas.

O ator mexicano Gael García Bernal faz uma atuação convincente e encantadora como o travesti Zahara. Sem dúvidas, ele agarrou com coragem essa oportunidade de provar para o mundo o seu talento. Javier Cámara dispensa qualquer tipo de comentário: é o ator mais carismático com quem Almodóvar já trabalhou. Leonor Watling, a bailarina em coma de “Fale com Ela”, faz uma participação como integrante da equipe de filmagem de “A Visita” (seria esse o novo elenco preferido de Almodóvar?). As referências características do diretor não param por aí: os créditos iniciais lembram bastante os de “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”. E boatos dizem que o cartaz de “La Abuela Fantasma”, exposto na sala da personagem de Fele Martínez, é o próximo filme de Almodóvar, que aborda a vida de três mulheres paranormais de diferentes gerações.

A má educação de Almodóvar não quer transformar a Igreja num bicho de sete cabeças, até porque, em quase todos os seus filmes, ele usou imagens clericais sem ironias. As personagens, quando adultas, são mal educadas pela maneira evasiva de levar a vida, tão diferente do que lhes foi ensinado na escola católica.

Sem sequer ter estudado cinema, por falta de condições financeiras, Almodóvar construiu a sua arte, que se aproxima da literatura naturalista: ele não insinua, mostra detalhes.

Em “Má Educação” não temos as vozes estridentes de Lola Beltran, La Lupe, ou de Chavela Vargas, as damas que habitaram as trilhas sonoras de Almodóvar durante anos, tornando-se peças essenciais em seus longas. O que temos é o maravilhoso compositor Alberto Iglesias, que funde o seu talento com o polivalente diretor desde “Tudo Sobre Minha Mãe”. Diretor que, dotado de PAIXÃO como o próprio, o mundo jamais viu.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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