Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 11 de maio de 2005

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

Colorido, barulhento, feminino, dramático e divertido, "Mulheres à Beira de um Ataque de nervos" tornou-se um clássico indispensável da filmografia de Pedro Almodóvar.

Muito se fala, se opina sobre a filmografia de Pedro Almodóvar. Cores exageradas, elementos kitsch, personagens bizarras, universo feminino. Porém, a mais bela característica desse artista é pouco ressaltada: a sua incrível capacidade de fabricar “comédias lacrimosas” de qualidade.

Bem-aventurados são os que ousam misturar drama e comédia em suas obras cinematográficas, literárias, teatrais, etc. A prática ocorre há tempos, desde o filósofo grego Aristóteles, e está sempre sendo renovada. A maior característica do estilo é a facilidade de interação que ocorre entre o drama e a comédia, gêneros tão paradoxais entre si.

Pepa (Carmen Maura) é atriz e dubladora de TV. Com Iván (Fernando Guillén), o seu companheiro de trabalho, ela possui um relacionamento amoroso que dura por anos. Um dia, Iván deixa um recado em sua secretária eletrônica não dizendo nada além de que Pepa arrume uma mala com todas as suas coisas. Arrasada e com um segredo crucial, ela procura Iván para dividir essa verdade. Não suportando mais as lembranças e os fantasmas de Iván, Pepa decide pôr a casa para alugar. É neste momento que personagens importantes entram na trama e adentram a casa de Pepa, trazendo gritos e um forte vermelho à esta película clamorosa.

Clamorosa ao ponto de incomodar. Não foram poucas as vezes que ouvi comentários acerca de “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” em que diziam que o filme não é agradável por ter muitos gritos e um vermelho tão forte, que quase chega a cegar. Exageros à parte, o que esperar de um filme com esse título? Um filme vermelho e repleto de gritos femininos, vindos de mulheres problemáticas, carentes afetivamente, à beira de um ataque de nervos.

O filme é repleto de elementos humorísticos, como a personagem Lucía (Julieta Serrano), esposa de Iván, uma mulher atípica na sociedade de, no mínimo, 20 anos atrás. Sempre usando perucas e roupas gritantes, esta mulher traída é, também, recém-saída de um manicômio e, como Pepa, pretende encontrar Iván. Candela (Maria Barranco), amiga de Pepa, possui um problema aparentemente estrondoso, e incomoda a todos com a sua impertinência infantil. Carlos (Antonio Banderas), possível locatário do apartamento de Pepa, sofre de uma gagueira crônica e tem que agüentar constantemente os chiliques da noiva Marisa (Rossy de Palma, que já chama atenção por sua beleza exótica). E, claro, não podemos deixar de fazer comentários acerca do taxista que está sempre presente. O seu carro é cheio de estilo, com revistas para alugar, cigarros e música latina à disposição do freguês. Apesar dessas características bizarras que chamam a atenção do espectador, a profundidade psicológica de Pepa se sobressai, a tornando uma personagem de face essencialmente dramática.
Algumas pessoas não chegam a reconhecer, mas este é um dos filmes mais bonitos da carreira de Pedro Almodóvar (perdoem-me os fãs de “Fale com Ela”), em que o cineasta faz a mistura perfeita do seu humor original e escrachado com um drama bonito e tocante, o drama do mal de amor. Esse lado mais sensível é sustentado ainda mais pela trilha sonora, com as músicas “Soy Infeliz” e “Puro Teatro”, nas vozes das divas Lola Beltran e La Lupe, respectivamente.

Assim como o clássico “O Garoto”, de Charles Chaplin, este é um filme que oscila entre o riso e as lágrimas, de uma forma natural que só é possível ser realizada com mestria.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre