Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de maio de 2005

Primavera, Verão, Outono, Inverno… E Primavera

Vencedor de quatro prêmios no Festival de Locarno e da categoria de Melhor Filme por júri popular, no Festival de San Sebastian, o filme Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera destaca o poder da meditação e a necessidade de penitência, ascese e enriquecimento espiritual, através de uma educação para o silêncio.

Pára tudo!!! Pára tudo!!! Eis que me deparo com um dos mais belos filmes que já vi nos últimos tempos. Um filme leve, mas impactante. Impactante talvez pelo fato de nos mostrar o sublime da simplicidade da vida. E digo mais, é um filme impactante porque consegue rediscutir, através do silêncio evidenciado no filme, questões bem próximas à nossa moral, à nossa virtude, à nossa inocência perdida. Como já nos fala o adágio popular, “a palavra vale prata; o silêncio vale ouro.", e essa citação, por si só, poderia justificar a não-aceitação desse filme para um público que costuma se alimentar de palavras, de informações mastigadas, para que possa apreender uma mensagem, um recado. Pequenos tolos formados por uma indústria que, entendida como um reduto artístico refinado, virou hoje uma verdadeira fábrica de escapismo, de esquecimento de si…. Uma indústria que tem como especialidade a faculdade de entorpecer e alienar mentes e espíritos. É realmente muito triste, mas a sensação que eu tenho é que o cinema, aquela a qual não nos cansamos de enaltecê-la como a “sétima arte”, tenha realmente se perdido ao longo do tempo, diante a “necessidade” do mercado. Mas eis que surgem pequenas pérolas para por em questão essa tal “necessidade”.

O filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno… E Primavera”, em cartaz no Cinema de Arte – na faixa nobre até quinta-feira (dia 12/05/05) – traz de volta a importância do silêncio, vista sob a perspectiva budista, para nossa contemporaneidade. No entanto, há de se convir que seja realmente poucos os disciplinados na arte de silenciar. É difícil mesmo, e parece até um absurdo se tocar no assunto. Vivemos num mundo tão cheio de palavras, tão cheio de barulho, que perdemos até a capacidade de perceber o silêncio. Esse incomoda, e muito. Talvez pelo fato de ser, através dele, possível de nos revelarmos como verdadeiramente somos. Talvez por ser possível, através do silêncio, entrar em contato com a nossa mais pura essência, tão mascarada pelas imposições da sociedade. Hoje em dia, há tanta gente que fala, fala, fala mas, perdida em palavras, acaba não tendo nada pra dizer (….).

É preciso permitir uma certa entrega, uma certa sensibilidade, para apreender toda a beleza desse filme. Um filme que, através de uma moral budista, vem nos propor uma força e disciplina para enaltecermos a simplicitude da vida. Como recomendação do mestre budista (Oh Young-su), que vive com uma criança pequena (Seo Jae-kyung) numa casa flutuante no meio de um lago, cercado de picos montanhosos e verdejantes, vem a educação para o silêncio. Utilizando-se de uma simplicidade ascética, o mestre reprime seu pupilo. Como bem sugere o título da película, a narrativa fílmica é segmentada pelos cinco episódios correspondentes às cinco estações. Estações essas que se misturam, de maneira poética e singular, com os ciclos da vida do homem, que tem sob as costas o peso dos deuses que protegem, que amam, e que castigam, quando necessário.

Definitivamente, não é um filme para quem busca ação e muitos diálogos. Pelo contrário, é um filme para quem busca, acima de tudo, reflexão. Digo isso porque cada um dos cinco episódios é repleto de significado. A exemplo disso, está os animais que ilustram cada estação: um cão, na primeira primavera; um galo, no verão; um gato, no outono; a serpente, no inverno; e uma tartaruga, no recomeço de uma nova primavera. A vida é um eterno recomeço, tal como o ouroboros (aquela serpente que morde o próprio rabo) da simbologia oriental.

Através do olhar atento do velho monge vamos observando como se dá a maturidade de um ser humano, que mesmo isolado em uma casa flutuante na companhia de um mestre budista, ainda vem a conhecer todas as marcas das coisas mundanas, tais como a violência (que surpreendentemente se revela na infância, marcado pela primeira primavera), o sexo (na adolescência acalentada pelo sabor do verão), do ciúme e da obsessão (proveniente dos dissabores da paixão, agora, marcado pelo outono). Só nesses exemplos, percebemos que não podemos viver num tubo de ensaio, pois a virtude e o pecado são vizinhos bem próximos, não vivem em mundos separados. Ambos coexistem dentro de nosso íntimo. Só o tempo é capaz de nos apresentar os ensinamentos de cada dicotomia barroca que forma cada ser humano.

Silencioso e profundo, este filme é uma obra delicada e visceral, tudo ao mesmo tempo. Um trabalho que salta aos nossos olhos por ter conseguido expressar a beleza do que há de mais sublime na natureza das coisas e das pessoas. O que diriam então os conhecedores da filosofia budista?

Eu só tenho a agradecer a essas pequenas grandes pérolas do cinema oriental!!! Emudeço-me completamente. As palavras já se perdem e não conseguem mais exprimir a maravilha desse pequeno grande filme. Assista-o com a família, com os amigos, com os parentes, com os vizinhos!!! Se ainda não disse, ressalto que esta maravilha de película é uma preciosidade que merece ainda muitos elogios.

Sem mais comentários!

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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