Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de julho de 2005

Quarteto Fantástico

Sob o comando de um diretor fraco, a história da família de heróis da Marvel que tinha tudo para ser uma ótima adaptação, acabou se tornando uma comédia boboca e cheia de furos de roteiro. O resultado é um filme que não chega a incomodar e não passa de um bom passatempo.

Como bom admirador de histórias em quadrinhos, por anos e anos fiquei muito ansioso para ver a adaptação de “O Quarteto Fantástico” para os cinemas. Quando as primeiras informações sobre a produção começaram a surgir, confesso que fiquei com um pé atrás. Simplesmente nada conseguiu me agradar. Começando pela contratação do fraco e inexperiente diretor Tim Story (do ridículo “Táxi”), seguido da contratação do elenco (sempre imaginei Dennis Quaid e Charlize Theron interpretando o Sr. Fantástico e a Mulher Invisível, e convenhamos, Ioan Gruffudd e Jessica Alba são jovens demais para os papéis), depois com a trama e as primeiras imagens reveladas, mostrando que grande parte da fidelidade com os quadrinhos tinha ido para o espaço. Johnny Storm moreno? Victor Von Doom estava na nave junto com eles na hora do acidente (para quem não sabe, o Dr.Destino surgiu em um acidente de laboratório)? Mas, resolvi dar uma chance a mim mesmo e procurei não tirar conclusões precipitadas, afinal, “X-Men” e “Homem-Aranha” já mostraram que mesmo fugindo de alguns pequenos detalhes dos gibis, saíram grande filmes.

A história mostra um desastre que atinge uma nave espacial, fazendo com que seus quatro tripulantes sofram modificações em seu organismo de forma a ganharem poderes especiais. Reed Richards (Ioan Gruffudd), o líder do grupo, passa a ter a capacidade de esticar seu corpo feito borracha. Sue Storm (Jessica Alba), sua namorada, ganha poderes que a permitem ficar invisível e criar campos de força. Johnny Storm (Chris Evans), irmão de Sue, pode aumentar o calor do seu corpo, enquanto que Ben Grimm (Michael Chiklis) tem seu corpo transformado em pedra e ganha uma força sobrehumana. Ao retornar à Terra eles passam a lidar com seus novos poderes, decidindo formar o grupo de super-heróis Quarteto Fantástico para combater os vilões que ameaçam a Terra.

Infelizmente, o resultado do filme não foi dos mais satisfatórios. Sim, o filme pode ser considerado uma boa diversão para os menos exigentes e o melhor de tudo: as mudanças em relação ao gibi não prejudicaram nem um pouco o filme. Mas, o grande problema é a fraca direção de Tim Story que consegue tirar todo o ânimo do filme. O diretor simplesmente não consegue manter um ritmo constante na sua direção, sempre apelando para cortes e closes completamente desnecessários. O roteiro, que chegou a ser modificado inúmeras vezes, é outro grande ponto fraco. Enquanto o humor era utilizado em outras produções do estilo como uma ferramenta de narração, neste, o roteiro tenta arrancar risos da primeira a última cena, transformando o filme descaradamente em uma comédia. Enquanto em “X-Men” era divertido ver Wolverine tirando sarro da cara de Ciclope e em “Homem-Aranha”, era hilário ver a total falta de adaptação de Peter Parker ao mundo que o cerca, o roteiro de Quarteto apela o tempo todo para piadinhas infames, muitas delas, beirando o pastelão (a piada em que Johnny Storm faz uma analogia a famosa propaganda do MasterCard, chega a ser tão ridícula quando a do Bat-Cartão de crédito de “Batman & Robin”). Não estou dizendo que o fato de o filme ter se transformado em uma comédia tenha deixado ele ruim, mas apenas, isso não é o que todos os fãs esperaram de uma adaptação de Quarteto Fantástico. No começo, é bastante divertida a constante implicância de Johnny Storm com Ben Grimm, através de ótimas tiradas como a do espelho, mas o embate entre os dois se torna tão repetitivo, que na metade do filme você já não agüenta mais.

Furos de roteiro estão presentes durante toda a projeção e do contrário de “Batman Begins”, não procura trazer colocações coerentes ao nosso mundo real. Por exemplo: Como Johnny conseguiu colocar o logotipo no uniforme dos outros sem que eles percebam? Já que todos usavam o uniforme o tempo todo por baixo de suas vestimentas normais… Mas comparar “Batman Begins” com Quarteto chega a ser uma heresia, já que este último é feito claramente para o público mais jovem, com o intuito de lotar os cinemas na temporada de férias. Do contrário de Batman, que se mostrou um filme muito mais adulto. Diálogos risíveis também estão presentes aos montes como: “- O Sr. Fantástico pode mesmo esticar qualquer parte do corpo? – Bom, ele sempre foi meio mole” ou “- Nós somos uma equipe? – Bom, nós usamos uniformes”.

Quando se pensa em “Quarteto Fantástico”, nos vêm à cabeça muita ação e situações inimagináveis através do uso dos poderes dos protagonistas. Pois se você assistiu ao trailer, você já assistiu às melhores cenas que o longa possui. O filme se concentra tanto nos personagens aprendendo a lidar com essa nova fase da vida deles, que a ação ficou para segundo plano. Como havia citado que o filme virou uma comédia, é bom lembrar que na maioria das situações os poderes são utilizados para criar situações cômicas, muitas delas, sem graça nenhuma. Por acaso, era mesmo necessário mostrar como a elasticidade do Sr. Fantástico o ajudaria a fazer a barba?

Mesmo não tendo a ação como foco da história, as duas grandes cenas de ação que o filme possui são bastante bem feitas. A seqüência da ponte, que é quando vemos o quarteto utilizar seus poderes pela primeira vez em público, é extremamente bem dirigida (sim, pela primeira vez na vida, Tim Story mereceu um elogio), e só ela, já garante a diversão de ir ao cinema. Já o clímax é igualmente eletrizante. Após o lançamento da animação “Os Incríveis”, em que uma personagem possuía o mesmo poder de elasticidade do Sr. Fantástico, um novo final para o filme precisou ser gravado, de forma a não parecer inferior ao que já tinha sido visto na animação da Pixar. Pois o resultado foi satisfatório, não deixando nada a desejar em relação a animação.

Os efeitos especiais posso dizer que são satisfatórios dentro do que nossa realidade suporta. Apesar de tanto avanço do uso de CGI, a ponto de criar mundos fantasiosos como o de “Star Wars” com perfeição, nossa tecnologia ainda não é capaz de fazer o efeito de um homem esticar seu corpo ou ter ele completamente em chamas, com extremo realismo. Por isso, mesmo soando artificiais algumas vezes, os efeitos especiais conseguem impressionar.

Quanto ao elenco, Ioan Gruffudd (o Lancelot de “Rei Arthur”) e Jessica Alba (do seriado “Dark Angel”), assim como havia previsto, foram escolhas equivocadas da produção. Os intérpretes de Reed Richards e Sue Storm parecem estar completamente à vontade em cena, e de forma alguma, convencem como um casal. Já Chris Evans (“Celular”) e principalmente, Michael Chickles (do seriado “The Shield”), se mostraram ótimas escolhas para os papéis de Johnny Storm (o Tocha Humana) e Ben Grimm (o Coisa), respectivamente. Evans conseguiu dar o tom de canastrice certo ao seu personagem, transmitindo com convicção a imagem do jovem mulherengo, fanático por show business e que acha o máximo o fato de poder lidar com super poderes; assim como é o Johnny Storm das HQ`s. Já Michael Chickles, mostrou que além de ter um porte físico parecido com o do Coisa, consegue passar de forma convincente o drama e a angústia que existe por trás da imagem monstruosa e o temperamento forte do personagem. Falando no Coisa, ele é o maior ponto alto da produção. Sua maquiagem está impecável, resgatando com perfeição o visual dos quadrinhos, sem falar que a interpretação de Chickles ajudou muito a compor o personagem. Foi uma escolha mais do que acertada ao não cometeram o erro cometido com “Hulk” e fazerem do Coisa um personagem digital. Quanto ao vilão Dr. Destino, infelizmente não conseguiram passar a imagem assustadora que ele possui nos quadrinhos (vale lembrar que ele é considerado por muitos, o melhor vilão da Marvel), deixando a mesma impressão que o Duende-Verde deixou no primeiro “Homem-Aranha”, parecendo um vilão que saiu do seriado dos “Power Rangers”, com uma interpretação em que mais caricatural impossível, do ator Julian McMahon (do seriado “Nip/Tuck”).

No final das contas, com tantos defeitos, “Quarteto Fantástico” ainda chega a divertir? Se você for assisti-lo totalmente sem expectativa, sim. Porque afinal, a grande maioria das pessoas que vão assistir a esse tipo de filme, em plena temporada de férias, não dão a mínima para furos de roteiros, direção e tampouco interpretações ruins. Posso garantir que assistir a um filme cheio de efeitos especiais e boas cenas de ação com personagens que fogem os padrões da realidade, é bem mais divertido do que passar uma tarde em casa assistindo a Sessão da Tarde. Ou até mesmo, é melhor do que assistir a um dramalhão em momentos de tédio. Assista sem expectativas, ignore os erros, que o tempo passará rapidinho e você não se incomodará.

Thiago Sampaio
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