Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 25 de julho de 2006

Se Eu Fosse Você

“Se Eu Fosse Você” mantém o mesmo estilo de narrativa adotado por Daniel Filho em seu filme anterior, “A Dona da História”. Com um tema pra lá de batido – a troca de corpos – o filme não foge dos clichês básicos, mas diverte com piadas bem elaboradas e um show de interpretação por parte de Tony Ramos e Glória Pires.

O tema “troca de corpos” já é algo mais do que batido no atual cenário cinematográfico. Só pra citar alguns títulos, temos “Sexta-Feira Muito Louca”, com Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan, a comédia pastelão “Garota Veneno”, com Rob Schneider, e até o brasileiro “A Dona da História”, que por coincidência – ou não – é dirigido por Daniel Filho, o mesmo desse “Se Eu Fosse Você”. Dentre diversos outros títulos, fica uma questão no ar: ainda é possível de fazer piadas criativas em um tema tão batido? Por incrível que pareça, esse filme estrelado por Tony Ramos e Glória Pires mostra que sim, ainda que, muitas piadas clichês ainda estejam presentes, como a que a mulher no corpo do homem vai urinar pela primeira vez em pé.

Cláudio (Tony Ramos), publicitário bem sucedido, dono da própria agência, e Helena (Glória Pires), 40 anos, professora de música, coordenadora de um coral infantil, são casados há muitos anos e já caíram na rotina. É indiscutível que se amam, mas que casal não tem uma briguinha de vez em quando? Porém um dia, uma dessas briguinhas vira uma brigona, e percebem em pânico que foram atingidos por um fenômeno inexplicável: eles trocam, literalmente, de corpos. A consciência de Cláudio havia migrado para o corpo de Helena, e vice-versa. Portanto, Cláudio passa a ter um corpo de mulher: o de Helena; e Helena, um corpo de homem: o de Cláudio. Apavorados, decidem manter uma aparência de normalidade até conseguirem reverter aquela incrível e insustentável situação. Para isso, cada um é obrigado a assumir, em todos os sentidos e conseqüências, a vida do outro.

O que diferencia “Se Eu Fosse Você” das comédias do gênero, é por se tratar da troca de corpos entre um casal com idades decisivas na vida de uma pessoa – um tem 40 e o outro 50. Enquanto nos filmes dos quais estamos adaptados, vemos a troca de copos entre uma mãe e uma filha, e elas têm que se adaptar à vida da outra, nesse, vemos os diversos problemas que imperam nessa fase madura da vida de diversos casais, e um passa a entender melhor a vida do outro. Com muita inteligência, o roteiro aborda os problemas do cotidiano de um casal bem estabelecido financeiramente, e com muito humor, após a troca de corpo entre eles, passamos a compreender melhor os problemas um do outro.

A direção de Daniel Filho segue o mesmo padrão de direção adotado em “A Dona da História” e “Sexo, Amor e Traição” (o qual atuou apenas como produtor) : descontraído, leve, e periodicamente apelando para os sentimentalismos básicos. Do contrário de muitos filmes brasileiros, seu novo filme não possui aquela cara de telenovela, mas, reparem bem, parece demais um “sitcom” – daqueles típicos “especiais globais” – prolongado, o que tira muito a originalidade. O que é um fato notório, é que o diretor não sabe concluir seus filmes de uma maneira satisfatória e que não soe forçado. Afinal, por que 9 em cada 10 filmes brasileiros insistem em terminar tentando transmitir alguma lição de vida, em algum diálogo enfadonho entre os protagonistas? “Se Eu Fosse Você” é um filme super divertido, faz você rir pra valer em muitos momentos, mas quando chega o momentos final em que o personagem de Tony Ramos dispara “É, agora sentimos na pele como é difícil ser homem, e ser mulher também”, nos vêm aquela sensação de desgosto por tamanha falta de originalidade.

A comédia possui seus bons momentos de diversão, além de algumas lições de vida que servem muito bem para os casais que brigam por tudo e jamais um entende os problemas do outro. Tudo isso é muito bem distribuído em um roteiro pra lá de simples, que é claro, possui uma série de furos – um deles é o fato de os personagens constantemente dizerem que estão seguros de suas sexualidades e nunca se envolveriam com alguém do mesmo sexo, mas então, como pode eles se beijarem o tempo todo, enquanto estão com os corpos trocados?

Uma verdade creio eu que seja absoluta: por mais que o filme tenha cenas cômicas divertidas desenvolvidas pelo roteiro, ele perderia todo o seu valor se não fosse a brilhante interpretação de Tony Ramos. O veterano ator simplesmente dá um show na pele do homem machão e trabalhador que certo dia, acorda como uma mulher. Enquanto está com Helena em seu corpo, o astro esbanja talento ao libertar a “mulher” existente dentro de si, de uma maneira cômica, e sem em nenhum momento soar vulgar ou apelativo. Sua ótima e incontestável performance pode ser muito vista nas impagáveis cenas em que ele, com todo aquele seu corpo cabeludo, faz uma exibição de “balé aquático” em plena piscina de casa, no dia do seu aniversário, e na cena em que ele canta e dança “eu sei que eu sou…bonita e gostosaaa…”, ao lado de Patrícia Pillar. Sem dúvidas, esses são momentos impagáveis do longa, méritos todos de Tony Ramos. Glória Pires, por sua vez, não faz feio como Helena/Cláudio, mas teve seu brilho coberto por Tony, que simplesmente rouba a cena. A também experiente atriz captou com muita eficácia a essência do personagem masculino, de forma que ver a bela atriz com um jeito mal-encarado e atordoado com o caos que está sua vida, é outro ponto alto da produção. Tony Ramos e Glória Pires claramente deram o melhor de si em seus papéis, e juntos, eles se completam em cena.

O elenco de coadjuvantes também está bastante afiado, com direito a muitas participações especiais. Thiago Lacerda, que faz o “vilão” da história e o coadjuvante mais ativo dela, faz o estilo “bonitão-canastrão”, exatamente como seu papel exige. A veterana Glória Menezes também está soberba como de costume, fazendo o típico papel da “mãe perfeita-sogra chata”, chegando até a mostrar uma variação de personalidade que faz a simpatia do público por ela mudar no decorrer da história. Maria Gladys, como a empregada Ciça; Patrícia Pillar, como a médica e amiga de infância de Helena; Ary Fontoura, como o Padre Henrique; Danielle Winits, como a secretária gostosa e possível caso de Cláudio; Jorge Fernando, como o especialista em coisas sobrenaturais; todos estão muito bem em seus papéis e garantem boas cenas de humor.

Por fim, “Se Fosse Eu Fosse Você” é uma comédia que pode até ter um tema batido, não apresenta grandes novidades, além de ser pra lá de previsível, mas acaba se tornando uma boa pedida para quem quer uma boa diversão sem compromisso. Faz você rir, refletir sobre algumas questões interessantes, e no final, ninguém sai incomodado. Uma coisa eu lhes garanto: Tony Ramos e Glória Pires valem o preço do ingresso!

Thiago Sampaio
@

Compartilhe

Saiba mais sobre