Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 09 de novembro de 2005

Senhor das Armas, O

Apenas por levantar questões como aquelas, causando sentimentos como indignação diante de nossa realidade, o filme merece ser assistido e aplaudido.

Quantos filmes você já viu cujo anti-herói é um bem-sucedido traficante de drogas? Ou então um contrabandista de órgãos? Ou ainda, um matador de aluguel? Agora, quantos filmes mostram o promissor e suntuoso mercado ilegal de armas? É desse ramo que trata “O Senhor das Armas”. Nicolas Cage é Yuri Orlov, ucraniano que se muda ainda criança, com a família, para Nova York, Estados Unidos. Inteligente e ambicioso, Yuri não se contenta com o restaurante medíocre da família e decide abrir o seu próprio negócio: vender armas. No início, com a ajuda do irmão Vitali (Jared Leto) e depois por conta própria, Yuri torna-se um dos maiores vendedores de armas do mundo.

O longa, narrado na primeira pessoa, utiliza-se muito bem do sarcasmo e do humor negro. Yuri com o seu cinismo sedutor, cria uma empatia com o público, apesar de ser desprezível (assim como Murilo Benício em “O Homem do Ano”). Andrew Niccol, roteirista e diretor do filme – e dos ótimos “Show de Truman” e “Gattaca”, como também do regular S1m0ne (roteirista do primeiro e roteirista e diretor dos dois últimos) – perpassa por mais de dez anos de História de forma bastante interessante, demonstrando que fez uma pesquisa apurada para realizar o filme. Faz interessantes takes, como a cena em que o símbolo do comunismo está sendo arriado e Yuri surgi em primeiro plano, elevado, superior; como também, em uma das primeiras cenas, a melhor do filme, em que o espectador acompanha a vida de uma bala, da sua fabricação a seu destino, incrustada no crânio de um garoto africano. Mas Niccol peca, por exemplo, na trilha sonora pouco inspirada. Apesar de pop (utiliza-se de “Hallelujah” exaustivamente executada, de “The O.C”. a “Edukators”, e da famigerada “Cocaine” de Eric Clapton) e, principalmente, na forma monótona e nada original com que trata a trajetória familiar e a crise de valores de Yuri (fazendo-nos lembrar de imediato de “Profissão de Risco” e a história do traficante de drogas interpretado por Johnny Depp).

O filme, em época de referendo e de grande preocupação com a segurança pública e privada, traz números estarrecedores como, por exemplo, que existe uma arma para cada doze habitantes da Terra, o que representa cerca de 550 milhões de armas. Faz, também, uma dura crítica aos países que compactuam e financiam esse mercado e ao Conselho de Segurança da ONU, uma vez que todos os maiores países vendedores de armas do mundo são membros permanentes do Conselho. E, assim como “Assassinos por Natureza”, “Trainspotting – Sem Limites” ou qualquer outro bom filme crítico, “Senhor das Armas”, caminha boa parte do tempo no limiar entre a apologia e a repulsa do objeto em questão.

A película, baseada em fatos reais (Niccol fez uma colagem da história de cinco traficantes da atualidade) faz o espectador refletir sobre questões como: qual a participação do vendedor em um massacre que foi realizado com suas armas? Ele é cúmplice do crime? Ele é tão culpado quanto o carrasco? Qual a relevância quanto as armas serem ou não legalizadas se não burocrática, uma vez que o fim é o mesmo? Existe diferença entre os países que vendem armas e os freelancers? Ou o freelancer seria um interposto para que os países mantenham-se no anonimato? Eles seriam “um mal necessário”, nas palavras de Yuri, para que a engrenagem do “mercado da morte” funcione. Qual a legitimidade de uma instituição como a ONU, que prega a paz, depois de feitas as considerações acima?

Atualmente, com a proliferação de filmes comerciais e apáticos, é cada vez mais difícil ver filmes politizados como “O Senhor das Armas”. Apenas por levantar questões como aquelas, causando sentimentos como indignação diante de nossa realidade, o filme merece ser assistido e aplaudido.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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