Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de agosto de 2005

Sin City – A Cidade do Pecado

Rodriguez prova aqui que é possível realmente adaptar (no sentido literal) quadrinhos para cinema e deixar a coisa boa sem precisar criar uma versão sustentada nos efeitos visuais.

Adaptação. Desde O Corvo (1994) não se podia usar tão seguramente tal termo se tratando dessa frutífera relação quadrinhos-cinema, como se pode usar agora com Sin City – A Cidade do Pecado (2005, de Robert Rodriguez, adaptado dos quadrinhos de Frank Miller). Os diretores, de lá pra cá, apenas se baseavam nas estórias (nas sínteses, diga-se de passagem) e tentavam construir um novo enredo em cima impregnado de efeitos-especiais mirabolantes, fazendo muitas vezes com que os personagens – portadores de super-poderes e motivo principal da produção do filme -se descaracterizarem. No entanto, tal sacrifício era válido para tornar a estória mais clara e atraente(?) para o público mais jovem e/ou que não acompanha revistas em quadrinhos. Enfim, o público que majoritariamente consome cinema. Claro que a crítica e os fãs dos respectivos gibis esperneavam. Mas, fora isso, com o filme arrecadando bilheteria, não havia problema algum.

Foi então que Robert Rodriguez, apelando para o bom-senso, se tocou de algo lógico. Tentem ver comigo: no trabalho que se tem para fazer um filme, da parte puramente ideológica, há quatro etapas básicas (isso à grosso modo e no meu limitadíssimo conhecimento sobre o ramo, certo?). Primeiro: a simples idéia do enredo, claro. Nada pode ser feito sem ser pensado antes. Segundo: o esboço organizacional da idéia, que é a elaboração de um roteiro. Terceiro: a esquematização da idéia para o plano material, com o stroryboard – o roteiro na forma de quadrinhos que serve para orientar o diretor desde o posicionamento das coisas em cena até o figurino. E por último, as filmagens em si. Reparem na terceira parte, nos chamados storyboards. Quadrinhos, sim! Foi por isso que afirmei que Rodriguez se tocou do lógico, usando os próprios quadrinhos de Miller como storyboards. Ele deu apenas um toque para entrelaçar as narrativas em um ponto comum. E mais, Rodriguez parece que quis tanto redimir esse setor do cinema, que chamou o próprio Frank Miller para o ajudar com a direção, garantindo assim maior fidelidade à sua obra. E tenha certeza, a fidelidade foi garantida.

A cidade de Sin City é caricatural e densa. Perfeita para uma narrativa descricionista em primeira pessoa típica das estórias de clima noir. Ela também é lar dos mais bizarros personagens e sempre tende a mostrar como tudo que passa em suas ruas, de alguma forma, tem interligam. Isso porque nesse primeiro filme (é verdade, as produções de uma continuação já estão em produção) há três estórias que de alguma forma possuem um ponto em comum. A primeira trata de um policial sexagenário que, na véspera de sua aposentadoria, precisa cuidar do caso de uma menina de onze anos que foi raptada por um maníaco psicopata. Aí é que está um dos poucos reveses da película. Quem faz o papel desse policial é Bruce Willis. E vocês devem estar se perguntando: o que tem Bruce Willis? Ele não tem cara de um sexagenário, só isso. Sempre parece o cínico John McClane de Duro de Matar (1988). A segunda estória tem Mickey Rourke interpretando "otimamente" Merv. Um grandalhão que após ter o amor de uma belíssima mulher, se vê na obrigação de vingá-la quando a mesma morre misteriosamente. Atenções especiais para Elijah Wood no papel do cruel Kevin e na caracterização de Mickey para encarnar o personagem. A terceira parte mostra em que nível gira a "ética" entre os segmentos da cidade, através da estória de um homem que tenta correr contra o tempo para evitar o conflito entre a polícia, a máfia e as prostitutas (organizadas numa espécie de gangue).

O filme tem a mesma linha gráfica dos quadrinhos de Frank Miller. Isto é, ele é em preto-e-branco. No entanto, não desanimem, pois essa linha positivo/negativo envolve pelo seu nítido contraste. Exemplo disso são os belíssimos efeitos visuais quando algum detalhe aparece colorido ou quando jorra o sangue branco. Há também um aspecto singular em relação à trilha sonora: ela não existe. Os únicos sons do filme são os barulhos dos tiros, das sirenes policiais, dos socos e das vozes dos protagonistas dialogando ou descrevendo suas amarguradas existenciais.

Rodriguez provou que se é possível realmente adaptar (no sentido literal) quadrinhos para cinema e deixar a coisa boa sem precisar criar uma versão sustentada nos efeitos visuais. Pelo contrário! Ele subordinou os efeitos à estória, pagando assim a sua cota de contribuição para outra história: a do cinema. Pois se há uma coisa que a cidade de Sin City nos mostra é que por tudo há um preço. E geralmente alto, muito alto.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre