Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Syriana – A Indústria do Petróleo

Para aqueles que estão pretendendo ver um filme comum, que faça simplesmente o expectador aceitá-lo, então, Syriana não é uma boa pedida. Se seu intuito for pensar, aí sim, Syriana é a melhor pedida do momento.

Por algum tempo a indústria cinematográfica de Hollywood deixou de lado os filmes cujo roteiro abordava temas políticos com um tom crítico. Quando esses filmes aconteciam, o sentimento de superioridade americano era instalado e quase incontestável. Nenhum país era melhor. Nenhum país poderia ameaça-los e o único vencedor eram os Estados Unidos da América. Claramente, isso surtia efeito para a questão patriota do público estadunidense, mas para os mais entendidos, asco era a resposta para essas longas metragens.

Depois de acontecimentos trágicos em solo ianque (e até mesmo além dele) a vulnerabilidade deles se tornou abalada e, a partir desses acontecimentos, começou-se a pensar em uma nova maneira de fazer filmes com contexto político. É fato que muita coisa precisa mudar, mas, principalmente no último ano culminando com o começo desse, houve uma avalanche de filmes cujo real sentido é fazer pensar. Não o pensar de ficção, mas o pensar cotidiano. Todas as ações que nos cercam. Dentre elas, as principais são: política, religião e sociedade. Syriana consegue nos fazer refletir sobre todos esses campos. Além de atrair reflexões para assuntos menores, mas tão importante quão. Como, por exemplo: o relacionamento familiar de quem está lutando no ramo político ou, simplesmente, quem tem uma grande causa a lutar ou assumir.

Syriana é um apanhado de diferentes fatos isolados na mesma história que nos fazem ver um acontecimento com diferentes pontos de vista. Desde o mais trágico, ao mais “puro” (se é que existe pureza nessa questão política). A trama se inicia quando duas empresas petrolíferas se unem. O governo norte-americano começa a investigar se há, ou não, alguma irregularidade no assunto e, se houver, descobrir antes dos demais para não ocorrer nenhum incidente vergonhoso. Porém, o que querem mesmo os americanos é que essas empresas se unam de uma vez, pois desta forma a produção petrolífera iria aumentar o que, conseqüentemente, é ótimo para eles. Daí então somos envolvidos pelos personagens que compõem esse acontecimento. Personagens esses que, de diferentes personalidades, nos fazem realmente pensar. Um deles é religioso disposto a lutar por o que seu Deus decidir; já o outro é um manipulado de uma grande inteligência: a CIA; o conceito de pessoa ética também é visto; mas o antiético trás consigo o impacto necessário para entendermos como a simples notícia sobre a união de duas empresas é muito mais do que simples, pois seus bastidores carregam acontecimentos quase inimagináveis.

O filme é deveras confuso e pode pregar peças no expectador mais preparado e envolvido. As visões a partir desses já falados personagens mudam constantemente e sem “pedir permissão” a quem as assiste. Um único cochilo é o suficiente para você pensar que perdeu uma grande parte. Mas, se observador melhor, a instancia principal não é ficar sabendo ao pé da letra o que cada personagem é, mas sim o que representa. Principalmente, é importante localizar neles os fatores que não os deixam soltos um do outros. Todos ali são interligados – mesmo que nunca nem tenham se entreolhado. Podem estar interligados por um assunto familiar que ocorre com um e, coincidentemente, parecido com o outro; obstinações políticas ou sociais; alguma questão financeira ou, simplesmente, de caráter. E mais, todos têm um caráter a ser estudado e pensado, pois, dessa maneira, você entenderá mais o que passou na cabeça do personagem ao fazer determinada ação.

A fim de deixar cada personagem realmente envolvido no sentimento que deva passar, a atuação do elenco está incrível. Matt Damon que faz Bryan Woodman, se firma mesmo como um dos melhores atores da atual geração. O rapaz consegue dar a clareza necessária que devemos ter ao assistir as ações de Bryan. Jeffrey Wright, como o advogado obstinado Bennett Holiday, está quase impecável, pois constitui toda a ambiciosidade do personagem de forma leve, mas nem por isso tão ambiciosa. O papel no roteiro do personagem Nasir Al-Subaai, interpretado por Alexander Siddig, é um dos mais importantes. Ele é uma figuração dos grandes que sem piedade lutam pelo que realmente querem e deixam bem claro que ter poder é importante, se não: tudo que mais quer. Mesmo que seus feitos criem clássicos acontecimentos mortais como o de um obstinado pelo Corão e crente em sua Fé.

Para ele cabe um parágrafo reservado, pois, com seu visual barbudo, George Clonney sacramenta um ano sortido com uma de suas melhores atuações na carreira. Ele é realmente o grande nome do Oscar ganhando ou não ao que foi indicado. Ele está presente em duas categorias. Por esse filme, poderemos vê-lo disputando como Melhor Ator Coadjuvante. Agora, por Boa Noite e Boa Sorte o veremos disputando para Melhor Diretor. Nesse filme, inclusive, um tom político bem crítico também foi abordado, logo, George Clonney representa essa demanda de filmes pensantes do último ano. Não tirando mérito daqueles que se empenharam em filmes como: Munique e O Senhor das Armas. Muito menos daqueles que coagiram com o ator em Syriana e Boa Noite e Boa Sorte.

Finalmente, o filme é denso demais. O diretor e roteirista Stephen Gaghan manda grandes recados que geram boas reflexões a cerca dessa projeção. Não se sinta frustrado se não conseguiu captar tudo que ele se propôs a passar. Até o pôster original tem uma mensagem – ou você acha que aquela tarja em cima da boca de George Clonney foi ao acaso? Esse é o tipo de filme que deve ser visto no cinema e revisto quando sair em DVD, com calma e pausadamente. As pausas servem para pensar aquele momento e, ao final, você terá pensado bastante sobre várias coisas que nos rodeiam, dentre as quais, muitas terminam tragicamente ou com alguém bem rico a fumar um charuto bem caro e rir dos subalternos.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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